Não é só o turista com embarque marcado para Miami que está aborrecido com o choque da escalada do dólar em suas compras. Sacoleiros que na última década faturaram com a demanda da classe média emergente começam a desistir do serviço ou migrar para a venda de itens menos abalados pelo câmbio.
Novata no ramo, A.C., que pediu que não fosse identificada, começou a buscar enxoval de criança no ano passado. Mas já desistiu.
Fez sua última viagem aos EUA em janeiro, quando o dólar rondava R$ 2,66 e ela ainda conseguia trazer quilos e quilos de vestidinhos e pequenos macacões para revender colhendo lucro superior ao dobro do custo, sem pagar tributo de importação.
“Agora ficou impossível. Só estou vendendo mercadoria que tinha de viagens anteriores. Até que o câmbio melhore, não tenho previsão de voltar para repor meu estoque” diz, lamentando o patamar de R$ 3,48-preço do dólar turismo na sexta (13).
DO LUXO AO POPULAR
Para L.F., que fazia da importação informal de itens de luxo sua principal fonte de renda, a solução foi migrar para outro perfil de cliente.
“Comecei há 15 anos, como todo o mundo: trazendo hidratante Victoria's Secret. Mas percebi que produto de luxo tinha mais lucro. Agora voltei para moda popular, como H&M e Forever 21, que fazem promoções. Mas tem que vender bem mais para ter retorno, diz a sacoleira, que passou a garimpar coleções antigas em outlets e redes como Ross e Marshalls, famosas pelas barganhas nos EUA”.
Para entender os cálculos, a Folha acompanhou L.F. em uma visita a um shopping de luxo paulistano, onde ela costuma comparar os preços dos produtos e até oferecer suas importações aos próprios atendentes de marcas internacionais instaladas no país.
As vendedoras têm discurso uníssono: Com o dólar alto, está valendo a pena comprar aqui.
E elas têm razão. Lá, além do câmbio nas alturas, o viajante ainda soma as taxas, que variam em cada Estado, e está sujeito a uma cotação mais salgada se pagar no cartão. No Brasil, por outro lado, é permitido parcelar.
O mesmo casaco que a britânica Burberry vende na loja de São Paulo a R$ 5.095,00, por exemplo, sai por quase R$ 7.000 nos EUA no dólar atual.
“Isso ocorre porque hoje eles têm no Brasil estoque de produtos que trouxeram no ano passado com o dólar bem mais baixo”, diz Douglas Carvalho, sócio da Target Advisors, especializado em negócios no setor de moda.
A Kate Spade, também citada por L.F. como objeto de desejo da brasileira, já teve alta de 30% nas vendas das lojas físicas no país neste ano.
“E houve redução de clientes brasileiros em nossas lojas em Nova York e na Flórida”, diz Julian Rizo, presidente da grife na América Latina.
O produto não é mais barato no Brasil. Tem Imposto de Importação, PIS, Cofins, ICMS e IPI. Na caso da Kate Spade, decidimos não transferir completamente a alta do dólar aos nossos preços no Brasil para não impactar nossos clientes e assumimos parte do custo adicional.
LIMITE PARA O REPASSE
Para Martin Gutierrez, diretor da área de varejo da JHSF, que abrange nomes como Pucci e Ralph Lauren, o momento é de incerteza porque não se sabe aonde o dólar vai chegar. Mas, ainda que haja reajustes, os preços locais não vão superar em 30% os valores cobrados fora para não afastar o consumidor.
Trata-se do desafio do mercado brasileiro, segundo Filipe Tendeiro, diretor da francesa Longchamp. Isso também ocorre no mercado russo e em outros emergentes.
Outra categoria que tem sido achada a preços competitivos no Brasil é a de bebidas, devido às promoções lançadas para combater a desaceleração econômica. O Walmart, por exemplo, tem ofertado uísques Johnnie Walker a valores abaixo do free shop.