Há cerca de um ano, um sinal vermelho de trânsito causou uma reviravolta na vida de Moisés Dias Pena, de 54 anos, despertando-lhe uma ideia que o tornou empresário após 18 anos de trabalho como motorista de ônibus na cidade de São Paulo. Parado no farol, ele viu uma mulher andando com chinelos tradicionais, mas que deixavam os dedos escaparem para fora do calçado. Para evitar a situação, ele teve a ideia de fabricar chinelos ?quadrados?, e criou a Kuatro Kantos.
?Eu dirigia aqueles ônibus biarticulados. (...) Estava parado no farol, tinha um monte de pessoas passando em direção ao shopping, em direção ao trabalho. Naquela hora, ia passando uma moça, ela estava com uma sandália no pé. O dedo dela estava para fora?, explica. Foi quando ele teve a ideia: ?já pensou se no pé daquela moça tivesse uma sandália quadrada??, conta o empreendedor. De acordo com Moisés, o chinelo "quadrado" é bem confortável porque o pé fica "completamente distribuído pelo solado".
Um ano depois, com patente do produto e marca registrada, a empresa viu a produção mensal saltar de 80 para 800 pares, fora as 5 mil unidades vendidas durante feira de calçados e acessórios de moda que aconteceu na semana passada, em São Paulo, a Couromoda.
Antes do evento, os modelos já eram vendidos em quatro lojas espalhadas pela Grande São Paulo, além de comercializados por 15 sacoleiras. Na feira, contudo, foram fechados negócios com aproximadamente 30 lojistas de diferentes estados e do interior de São Paulo. ?Essa feira foi a maior abertura de portas?, diz o empresário.
Moisés, entretanto, relata que o caminho até a venda do primeiro par não foi fácil. Após ter a ideia do produto, ele diz que não via a hora de chegar em casa para contar à esposa. ?Ela falou, ?sandália quadrada? Mas não tem??, revela. ?Eu falei, é claro que não tem, se tivesse, Deus não tinha me dado a ideia? - muito religioso, o empresário faz questão de ressaltar, o tempo todo, que foi graças a Deus que criou a sandália. ?Ele direcionou tudo, e só designou Moisés para que ele colocasse em prática.?
Protótipo de pneu
O primeiro protótipo foi desenvolvido com borracha de pneu. O empresário conta que não tinha dinheiro para comprar uma placa inteira de E.V.A, que custava R$ 60 (o pedaço da borracha do pneu foi R$ 8). ?Cheguei em casa, peguei o estilete, cortei quadrada do jeito que Deus me deu a ideia, peguei a furadeira, furei os três furos em cada pé, fui na feira, comprei um par de alças e montei. Quando minha esposa chegou do trabalho e viu, ela falou, ?é esse tribufu???, relata. ?Eu falei, calma, é só um modelo.?
Ele foi atrás de patentear a invenção e também registrou a marca Kuatro Kantos. A inspiração para o nome surgiu certa noite, antes de dormir. ?Eu estava deitado na minha cama e aí olhei para o teto. Pensei, o teto é quadrado e minha sandália é quadrada, aí pensei, são quatro cantos?, explica. A grafia com K foi escolhida para diferenciar a marca.
?Desenvolvendo o projeto, a minha esposa depois que viu que a sandália ficou bonita no E.V.A. Aí. ela pegou uma florzinha e colocou na alça. Ela disse, ?vai ficar legal se a gente customizar, dá um dinheiro a mais, agrega valor ao produto?, explicou. ?Ela e a minha cunhada começaram colocando as flores, misturando cores, tanto da alça como o solado."
Com o projeto pronto, o então motorista de ônibus se deparou com um impasse: não tinha o dinheiro necessário para comprar as máquinas. ?Eu corri atrás, patenteei, registrei a marca (...), deu tudo certo, mas não tinha um centavo para desenvolver.?
O empresário revela, porém, que conseguiu o dinheiro logo em seguida, quando uma notícia que era para ter sido ruim veio em momento certo: ele foi mandado embora da empresa de ônibus e recebeu a indenização. Moisés garante que não havia comentado nada com o chefe sobre a ideia de abrir a fábrica e também diz que não pediu para ser mandado embora. ?A demissão veio, comprei o maquinário e uma tonelada de borracha.? O investimento foi de R$ 12 mil.
Desde então, o empresário dedica todo o seu tempo para a fabricação dos chinelos de dedo quadrados. As vendas começaram no boca a boca e depois surgiram as sacoleiras e as lojas.
Do salário de R$ 1,4 mil que ganhava como motorista, Moisés viu o faturamento chegar a R$ 8 mil em dezembro. Só na feira, foram vendidos R$ 32 mil em produtos.
O modelo mais simples custa, no preço final ao consumidor, R$ 27. As sandálias femininas customizadas saem por até R$ 50 cada (há modelos com flores, pedrinhas e até pelo sintético).
De lá para cá, a esposa do empresário também abandonou o emprego que tinha há anos como bancária para se dedicar à administração da empresa. O filho do casal, de 21 anos, é responsável pela parte de tecnologia e a cunhada, pela parte comercial e de marketing.
A empresa familiar, inclusive, está de mudança. Do fundo do quintal da casa de Moisés, na Penha, Zona Leste de São Paulo, ganhará um espaço comercial no mesmo bairro, com direito a escritório e loja de fábrica.
De acordo com Wanesca Batista, a cunhada do empresário, é preciso aumentar a produção, já que foram fechados muitos negócios com lojistas de diferentes estados e interior de SP durante a feira do setor. ?A feira mudou o cenário, a gente já teve que sair correndo para contratar mão de obra?, afirma.
O empreendedor acabou de contratar o primeiro funcionário para ajudá-lo na fabricação. Além disso, estão sendo contratadas mais artesãs para confeccionar os adereços das sandálias femininas. ?Já falamos com o contador e vamos mudar o registro para empresa de pequeno porte?, diz. O cadastro inicial é de Microempreendedor Individual (MEI).
Cearense, Moisés revela que chegou a São Paulo com 23 anos e sempre foi motorista de ônibus, até abrir a Kuatro Kantos. ?Eu amo o que eu faço, mas eu também amava ser motorista de ônibus?, diz. Hoje, ele afirma que espera que a empresa continue crescendo. ?Eu só peço que Deus continue a abençoar do jeito que tem abençoado até hoje".