Na busca pela sustentabilidade mora a necessidade da inclusão produtiva no centro das discussões sobre crescimento econômico. Esse termo se refere à inserção de pessoas em situação de vulnerabilidade no mercado de trabalho, seja por meio do emprego ou do empreendedorismo.
Essa pauta, no entanto, acaba sendo limitada à assistência social, deixando de lado as diversas transições que estão em debate e que são eficazes para a sustentabilidade.
TEMA DO ESTUDO: Com base nessa necessidade, a Fundação Arymax lançou nesta terça-feira (30), em São Paulo (SP), o estudo "Inclusão Produtiva e Transição para a Sustentabilidade: Oportunidades para o Brasil", realizado pela Fundação Arymax em parceria com a B3 Social, Instituto Golden Tree, Instituto Itaúsa e Instituto Veredas.
Ele é direcionado a todos os setores da sociedade, com recomendações para governos em todos os níveis (municipal, estadual e federal), para empresas de todos os portes e para organizações do terceiro setor e filantropia.
Conforme Vivianne Naigeborin, superintendente da Fundação Arymax, a discussão foi iniciada após a observação de que, embora as mudanças climáticas e o debate sobre a transição para a sustentabilidade estivessem em pauta nos principais fóruns globais, havia a falta da agenda com ações para garantir que todos os setores da sociedade sejam incluídos no processo de desenvolvimento econômico e social, ou seja, meios de oportunidades de trabalho para pessoas que estão em situação de vulnerabilidade.
“É possível combinar a agenda de inclusão para a sustentabilidade como uma agenda que inclua pessoas em vulnerabilidade no mercado de trabalho, que atente para as questões sociais e para as desigualdades existentes, para que possamos realmente criar um modelo econômico sustentável, inclusivo e justo”, pontuou.
O estudo apontou quatro setores estratégicos para entender os principais desafios na transição para a sustentabilidade, além de oportunidades para impulsionar a criação de empregos e renda nessas esferas econômicas. Confira:
1. SISTEMAS ALIMENTARES E DE USO DA TERRA: O setor agroalimentar brasileiro enfrenta desafios ambientais e de saúde pública, com o desmatamento e a produção agropecuária sendo grandes fontes de emissões de carbono. Há também um desequilíbrio entre o fortalecimento do agronegócio e a diminuição da agricultura familiar, o que desencadeia sistemas alimentares monótonos e insegurança alimentar, especialmente entre lares chefiados por mulheres e pessoas negras.
Impactos positivos: Entre os aspectos estão emprego de mão de obra qualificada nos campos da biotecnologia, genética, aprendizado de máquina e big data; crescimento de estabelecimentos agrícolas com produtos de maior valor agregado; geração de novas oportunidades ao longo das cadeias produtivas dos produtos da sociobiodiversidade; inclusão de pequenos e médios produtores agrícolas; oportunidades na agricultura vertical com produção de alimentos dentro das cidades; criação de cadeias curtas de comercialização; oportunidades para povos e comunidades tradicionais se inserirem na cadeia de atividades extrativistas e seus conhecimentos como ativo para o desenvolvimento de cadeias da sociobiodiversidade; oportunidades de trabalho no campo da restauração de ecossistemas, entre outros.
Pontos de atenção: como pontos de atenção aspectos como a redução de demanda de mão de obra em atividades impactadas pela automação; o alto custo tecnológico que pode afastar pequenos produtores; exclusão de produtores agropecuários especializados em proteína animal; afastamento de pequenos produtores por conta de custos ou especificações das certificações, entre outros.
2 . INDÚSTRIA
Em todo o planeta, o setor industrial contribui com 30% das emissões globais de gases de efeito estufa e 37% do consumo de energia, mas também é um importante gerador de empregos e promotor do desenvolvimento. No Brasil, apesar da sua relevância econômica, a indústria tem encolhido nas últimas décadas, concentrando-se principalmente na região Sudeste, com baixa participação no Norte e Nordeste.
Para uma transição sustentável, segundo o estudo, é preciso considerar a qualidade dos empregos, especialmente diante da informalização e baixa produtividade predominante nas Micro e Pequenas Empresas (MPEs).
Para não desperdiçar oportunidades de inclusão produtiva no setor, o estudo recomenda que algumas áreas sejam priorizadas: agroindústria e grandes redes de comercialização; cadeias de agroecologia; pecuária regenerativa de pequena escala; cadeias de socioeconomia e restauração florestal.
Impactos positivos: setores de economia circular e energias renováveis; negócios inovadores; desenvolvimento de cadeias produtivas locais; e oportunidades nas áreas de gestão ambiental, responsabilidade social, auditoria e consultoria ambiental, por exemplo.
Pontos de atenção: redução de empregos nos setores ligados ao uso de combustíveis fósseis; possibilidade de terceirização devido ao avanço da digitalização; exclusão das micro e pequenas empresas que não forem capazes de acompanhar a transição; risco de monopolização do conhecimento tradicional sobre o uso da biodiversidade; e inclusão produtiva não ser considerada um critério de avaliação das empresas.
O estudo recomenda, para que o setor fortaleça a inclusão produtiva nas atividades industriais, que sejam priorizadas as áreas de apoio às micro e pequenas empresas (MPE's), economia circular, biomanufatura e Complexo Econômico e Indústria da Saúde (CEls).
3. ENERGIA: O predomínio do uso de fontes fósseis para a geração de energia a nível mundial, além de cenários de pobreza energética em países do Sul Global, faz deste setor um dos mais importantes na discussão da transição para a sustentabilidade.
No Brasil, o setor enfrenta desafios significativos relacionados aos impactos ambientais e à acessibilidade à energia, especialmente para as camadas mais vulneráveis da sociedade. Os transportes, principalmente de cargas e automóveis, são a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa, representando 47% das emissões em 2021. Além disso, a crise climática afeta diretamente a geração de energia renovável, como a hidrelétrica, que tem os níveis dos reservatórios diminuídos devido à falta de chuvas.
Impactos positivos: No setor de energia, a pesquisa elenca áreas que podem contribuir com a inclusão produtiva na transição sustentável por seu potencial de geração de emprego: empreendimentos hidrelétricos, novas fontes de energia renovável, bioenergia e eletrificação da frota.
Pontos de atenção: a geração de empregos tende a ser de baixa qualidade e curta duração; exclusão produtiva de grupos vulneráveis em comunidades locais; limitação de inclusão produtiva a partir de monoculturas; entre outros.
Para melhor aproveitar as oportunidades da transição para a sustentabilidade do setor de energia, a pesquisa recomenda que sejam priorizadas ações de inclusão produtiva nas áreas de petróleo e gás, energia eólica, na cadeia produtiva de eletromobilidade, de energia solar distribuída e bioenergia.
4. CIDADES E INFRAESTRUTURA: O setor emerge como estratégico para a transição, especialmente devido à sua conexão direta com o acesso a oportunidades de emprego, tanto no âmbito urbano quanto rural.
As discussões sobre cidades e infraestrutura trazem a perspectiva da garantia do acesso da população a serviços essenciais, e devem englobar tanto territórios urbanos como rurais. No Brasil, esse setor apresenta problemas relacionados à infraestrutura física – composta por serviços de mobilidade, habitação, saneamento básico e internet – e à infraestrutura social – composta pelos serviços de saúde, educação, cultura e assistência social – , bem como à capacidade financeira dos municípios.
Impactos positivos: Em cidades e infraestrutura, o estudo indica que cidades sustentáveis e inteligentes e justiça ambiental são iniciativas que podem contribuir com a inclusão produtiva na transição sustentável do setor. Os potenciais impactos positivos envolvem aspectos como regularização de ocupações relacionadas à gestão de resíduos sólidos, à digitalização da gestão pública, a partir da expansão de empresas de tecnologia e na produção de infraestrutura em áreas vulneráveis; fomento ao empreendedorismo local a partir da economia solidária; entre outros.
Pontos de atenção: nessas atividades são a possibilidade de eliminação de ocupações informais sem efetivamente criar novas oportunidades; empregos gerados serem temporários ou precários; exclusão de pessoas em vulnerabilidade social; entre outros.
Marcelo Furtado, head de sustentabilidade da Itaúsa e diretor do Instituto Itaúsa, comentou que o planeta está diante de duas crises avassaladoras: uma de natureza, relacionada à biodiversidade, e outra de desigualdade. Abordar qualquer uma delas de forma isolada não resolverá essa problemática, garante Marcelo.
“É necessário ter uma grande capacidade de adaptação e resiliência, além de compreender nossos principais pontos de vulnerabilidade na sociedade. Para alcançar isso, políticas públicas inteligentes, ações do setor privado e um desejo compartilhado pela sociedade são essenciais”, falou, complementando que boas políticas públicas são moldadas a partir do interesse público, ou seja, das demandas da sociedade.
ENTIDADES ADOTAM NOVAS ESTRATÉGIAS: A importância da inclusão produtiva ganhou ainda mais atenção em meio aos impactos da pandemia de Covid-19. A B3 Social, uma associação sem fins lucrativos responsável pela atuação social da B3, adaptou suas estratégias após a pandemia, com a criação de um fundo emergencial para auxiliar em situações de calamidade.
A crise de saúde impulsionou em 71% o investimento social do setor privado, alcançando R$ 5,3 bilhões em 2020, um volume inédito, conforme levantamento do Grupo de Institutos e Fundações de Empresas (Gife). Fabiana Prianti, Head da B3 Social, destacou que apenas 10% desse montante foi destinado à inclusão produtiva, 5% para questões relacionadas à sustentabilidade e 4% para o combate à fome e à pobreza.
“Precisamos de mais recursos na filantropia. Esse é o ponto. Segundo, acredito que há uma luz importante em direcionar mais dinheiro para as temáticas abordadas pelo estudo. E aqui faço um convite, quase uma solicitação de parceria com vocês, porque precisamos aquecer a pauta", comentou.
O trabalho reconhece, conforme Vahíd Vahdat, diretor-adjunto do Instituto Veredas e coordenador da pesquisa, que o desenvolvimento econômico e muitas das decisões estratégicas que moldam os rumos do país estão vinculados à ideia de que a prosperidade de toda a população é importante para a sustentabilidade. O material defende que o Brasil pode assumir uma liderança na transição para a sustentabilidade.
“Se avançarmos de fato na integração entre essas duas agendas das mudanças climáticas e da superação das desigualdades, um elemento fundamental para isso é dar uma atenção substancial à inclusão produtiva. Qual é a qualidade das ocupações que estão sendo geradas? Quais são os arranjos produtivos que estão sendo criados e como as pessoas têm meios para acessar essas oportunidades? Isso precisa ser questionado e buscar respostas", falou o Vahíd.