Investir na construção de uma fábrica em um país que possui 7,4 habitantes por veículo em circulação ? que é o caso do Brasil ? significa um negócio próspero. Como comparação, nos Estados Unidos há um carro para cada 1,2 habitante. Na vizinha Argentina, há um carro para 4,8 habitantes.
É esse imenso potencial que atrai montadoras do mundo todo ao mercado automotivo brasileiro, inclusive as chinesas. E não é de se espantar que quatro grandes montadoras daquele país já sondem os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará e Amazonas em busca de incentivos fiscais para instalar fábricas.
Por enquanto, a única com investimento confirmado é a Chery, que já começa a importar do Uruguai o modelo Tiggo para firmar a marca no mercado nacional. São oportunidades para os dois países. O presidente da Câmara de Comércio Brasil e China (CCIBC), Charles Tang, afirma que há dois anos a câmara trabalha na intermediação das negociações. Segundo ele, os estados com mais vantagem para receber a fábrica da Chery são Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco.
Por trás do negócio está a parceria com o JLJ Grupo, da área de alimentação escolar, prova de que o horizonte do mercado automotivo brasileiro tem despertado interesse de empresas em outros setores. A outra montadora que ensaia desembarcar definitivamente na Zona Franca de Manaus é a Effa Motors. A empresa do uruguaio Eduardo Effa representa a chinesa Changhe e já vende modelos da marca no país. Segundo o empresário, além da ajuda fiscal, a região é vista como um ponto estratégico de logística dos caminhões-cegonha, que fazem a distribuição dos veículos.
Apesar do plano, a instalação da unidade ainda não foi confirmada. Apesar de Charles Tang não revelar quem são as outras empresas interessadas no país, já se fala no setor desde o início do ano de se tratar da BYD Auto e da JAC Motors (Anhui Jianghuai Automobile). Por trás dos projetos, está também o bilionário empresário brasileiro Eike Batista, que atua principalmente no setor de petróleo e mineração. A BYD começou em 1995 com uma pequena unidade na província de Shenzhen, que possuía 30 funcionários para a fabricação de baterias.
Em 2003, já era a segunda maior produtora de baterias recarregáveis do mundo. Assim, decidiu investir no desenvolvimento de veículos híbridos e comprou a montadora Tsinchuan Automobile Company. Seu modelo de maior destaque é o híbrido F3DM. Para 2011, a empresa afirma que reserva o lançamento do primeiro carro elétrico da marca, o E6. A JAC foi fundada em setembro de 1999 e produz de automóveis compactos a caminhões.
Entre os produtos que podem chamar a atenção no mercado nacional estão o monovolume A137, ao estilo do Honda Fit, e o utilitário esportivo Rein, na linha do Hyundai Santa Fé. Dificuldades Trazer uma marca para o Brasil não é tarefa tão fácil. Por isso, empresários brasileiros atuam nos bastidores em defesa das montadoras asiáticas. Com a visão oriental de negócios, o presidente da Câmara de Comércio Brasil e China critica a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) brasileira, que ?fomenta a informalidade? devido aos encargos que incidem sobre os contratos.
Além disso, Tang compara também a cobrança de impostos. ?Os encargos sociais brasileiros representam 58% do salário de um trabalhador, já os impostos equivalem a 40% do PIB. Na China eles representam apenas 17,5%. Além disso, os juros na China são baixos e o câmbio é favorável à exportação?, explica. ?Por enfrentar isso, acho que os empresários brasileiros estão entre os melhores do mundo.? Nesta balança comercial, o que o Brasil tem exportado é know how.
Foi o que levou o brasileiro Gerson Pagnotta assumir o cargo de diretor de engenharia de manufatura na General Motors Shanghai. Seu trabalho é desenvolver em conjunto com a matriz de Detroit a área de manufatura na unidade chinesa. Além da dificuldade da língua ? Pagnotta sempre é acompanhado na fábrica por um tradutor ? e de se adaptar à comida, o executivo precisa conciliar sua visão de trabalho com a cultura local. ?As áreas de foco são diferentes, porque a base de lógica segue fator diferente. Então, precisamos ter muita flexibilidade para conseguir passar a mensagem que queremos?, explica Pagnotta. ?Por ser estrangeiro, eles esperam que você seja uma pessoa que ajude. Sabem que temos mais experiência e eles querem que sejamos uma espécie de tutor. Eles prezam muito o trabalho em grupo, no ocidente a postura é mais individualista?, descreve o diretor.
Com nove anos de experiência na China, o gerente de engenharia de manufatura da General Motors Shanghai, Osni Caniato, também foi aplicar no país o que desenvolveu no Brasil. Segundo ele, a visão do trabalhador na China é muito diferente. ?Ele precisa de um guia, um líder, para dizer o que fazer.
A partir do momento que ele sabe o que fazer, ele procura executar o serviço da melhor forma possível?, diz o gerente. Caniato ? que se impressiona com a segurança e a qualidade de vida de Xangai ? ainda estranha as diferenças trabalhistas, assunto polêmico pela visão ocidental. Segundo ele, a lei trabalhista chinesa permite a redução salarial em caso de mudança de função, por exemplo. O número de folgas também é bem diferente em relação ao mundo ocidental. ?Aqui o empregado começa com cinco dias de férias por ano. Se ele tem de ir ao médico neste período, ele desconta desses cinco dias.
O máximo que a pessoa consegue de férias é 15 dias por ano?, explica Caniato. A exemplo desses dois executivos, empresas como Volkswagen, Ford, Toyota, entre outras, também contam com a experiência de brasileiros em fábricas chinesas. Afinal, o Brasil já é considerado um pólo de engenharia automobilística. Tanto é que o carro chinês movido a etanol não está tão longe de se tornar real. De acordo com o diretor-geral da Chana Motors do Brasil, Mohsin Ibraimo, a companhia já faz pesquisas para produzir veículos flex. Tudo para conquistar a simpatia do consumidor brasileiro.