DIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo Jair Bolsonaro (PL) apresentou nesta quarta-feira (31) sua proposta de Orçamento para 2023 com um benefício médio de R$ 405 para o Auxílio Brasil, abaixo do piso de R$ 600 a ser pago às famílias entre agosto e dezembro deste ano.
Em meio à campanha eleitoral, a mensagem presidencial encaminhada junto com o projeto contém a promessa de Bolsonaro de buscar a retomada dos R$ 600, mas sem detalhar como isso será feito.
A inclusão dessa sinalização, tida por técnicos como inusual, foi a solução encontrada pela ala política do governo para tentar se antecipar às críticas de adversários, no momento em que o chefe do Executivo segue em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto.
Do ponto de vista técnico, o governo precisa encaminhar o Orçamento seguindo as regras vigentes - como o teto de gastos, que limita o avanço das despesas à variação da inflação. Como não há espaço para acomodar o custo adicional de R$ 52,5 bilhões decorrente da parcela extra de R$ 200 em 2023, a proposta ficou de fora do texto.
Foram reservados R$ 105,7 bilhões para o programa Auxílio Brasil, o suficiente para bancar o piso de R$ 400 a 21,6 milhões de famílias. Segundo o Ministério da Economia, o benefício médio ficará em R$ 405,21
O governo poderia incluir a despesa condicionada à aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para alterar o limite de gastos, mas ainda não há uma proposta fechada nesse sentido. Além disso, protocolar uma PEC em meio à campanha eleitoral poderia deixar o presidente exposto a mais críticas.
Na mensagem, o presidente se limita a dizer que "o Poder Executivo enviará esforços em busca de soluções jurídicas e de medidas orçamentárias que permitam a manutenção do referido valor no exercício de 2023, mediante o diálogo junto ao Congresso Nacional para o atendimento dessa prioridade".
Nesta terça-feira (30), Bolsonaro chegou a dizer que usaria o dinheiro da venda de estatais para bancar a ampliação permanente do programa. A arrecadação desses recursos, porém, não resolve o obstáculo do teto de gastos.
Para os beneficiários do programa social, a fotografia da proposta de Orçamento indica que 2023 será o quarto ano seguido de incertezas sobre o valor disponível para a compra de alimentos e o pagamento de contas.
Desde 2020, com o início da pandemia de Covid-19, as famílias brasileiras de baixa renda vivem em uma "montanha-russa da pobreza", como classificaram os pesquisadores Marcelo Neri e Marcos Hecksher em trabalho publicado pela FGV Social.
O programa Auxílio Gás também terá uma queda no valor do benefício, de acordo com o que foi proposto no envio do Orçamento. Hoje, 5,7 milhões de famílias recebem R$ 110 a cada dois meses, graças a um aumento temporário aprovado por meio da PEC das bondades.
No projeto apresentado nesta quarta, as despesas reservadas para o Auxílio Gás somam R$ 2,2 bilhões, o suficiente para pagar um benefício médio de R$ 65,70 a cada bimestre para 5,7 milhões de famílias.
Outras promessas de Bolsonaro também ficaram de fora do Orçamento, como a correção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física).
O presidente já havia incluído esse compromisso em seu programa de governo na campanha eleitoral em 2018, mas ficou só no papel. Agora, ela foi renovada pelo presidente, que sinalizou a isenção de ganhos até cinco salários mínimos "durante a gestão 2023-2026".
A Receita Federal já preparou um leque de cenários com mais de cem combinações de mudanças. As faixas salariais usadas para aplicar o desconto do Imposto de Renda estão congeladas desde 2015.
Qualquer mudança, porém, significará perda de receitas para a União. O ministro Paulo Guedes (Economia) tem defendido a retomada do projeto de reforma do IR, que amplia a faixa de isenção para R$ 2,5 mil de forma imediata, altera a tributação sobre empresas e retoma a cobrança de imposto sobre lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas, hoje isentos.
"Ao longo dos últimos anos, os debates acerca da necessidade de avanços e ajustes no sistema tributário nacional amadureceram, de modo que se buscará construir consenso com o Parlamento e a sociedade para efetivação da reforma e a respectiva correção da tabela do imposto de renda", diz a mensagem presidencial.
Por outro lado, a proposta apresentada pelo governo inclui a manutenção da desoneração de tributos federais sobre combustíveis, como mostrou a Folha de S.Paulo. A medida, adotada por Bolsonaro em meio à forte alta no preço de gasolina e diesel, significa abrir mão de R$ 52,9 bilhões em receitas em 2023.
A inclusão da desoneração no Orçamento também joga no colo de Lula qualquer eventual decisão de subir novamente os tributos, caso o petista vença as eleições e queira recompor as receitas federais.
Também foram mantidas outras desonerações de tributos, de caráter geral ou setorial, com impacto de R$ 27,2 bilhões. Ao todo, as desonerações somam R$ 80,2 bilhões.
Neste cenário, a previsão oficial do governo é que haja um déficit de R$ 63,7 bilhões em 2023. Apesar disso, integrantes da equipe econômica são otimistas quanto à possibilidade de manter o bom desempenho da arrecadação no ano que vem, reduzindo o rombo nas contas.
"Estamos sendo prudentes na aferição das receitas", disse o secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago.
No plano das despesas, o governo definiu a inclusão, na proposta de Orçamento, de uma reserva de R$ 14,2 bilhões para a concessão de reajustes ao funcionalismo federal, sendo R$ 11,6 bilhões para os servidores do Poder Executivo. Essa verba fica dentro do teto de gastos.
Ainda não há decisão sobre o formato do reajuste, mas fontes do governo afirmam que os aumentos podem ser seletivos, isto é, para algumas carreiras. Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo estuda usar a inflação prevista para 2023 como referência para os reajustes, dado que ela será menor do que a deste ano.
Cerca de um milhão de servidores estão com salários congelados desde 2017. Outras categorias, com remunerações mais elevadas, tiveram o último reajuste em 2019. Neste ano, Bolsonaro tentou contemplar apenas os policiais, mas o movimento deflagrou reações das demais carreiras e o presidente desistiu da benesse.
Governo propõe salário mínimo de R$ 1.302 em 2023
O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) encaminhou ao Congresso Nacional nesta quarta-feira (31) uma proposta de Orçamento que prevê um salário mínimo de R$ 1.302 para 2023, sem aumento real pelo quarto ano seguido.
A última vez que o piso nacional foi reajustado acima da inflação foi no início de 2019, em um decreto assinado por Bolsonaro, seguindo a política de valorização aprovada em lei ainda no governo Dilma Rousseff (PT).
A vigência dessa política terminou justamente em 2019. Desde então, o atual governo tem optado por apenas recompor a variação do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), ajuste que é obrigatório para assegurar a manutenção do poder de compra dos trabalhadores.
O valor proposto pelo governo representa R$ 90 a mais em relação ao piso atual, fixado em R$ 1.212.
A cifra também ficou R$ 8 acima dos R$ 1.294 estimados em abril, quando o governo apresentou o projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).
Entre o envio da LDO e a fixação de novos parâmetros para elaborar o Orçamento, as projeções para a variação do INPC neste ano aumentaram. No início de julho, o Ministério da Economia estimou uma alta de 7,41% no índice-valor usado na previsão do Orçamento.
Nas últimas semanas, porém, as projeções do mercado financeiro para a inflação arrefeceram, na esteira da redução de tributos sobre combustíveis.
Caso essa tendência se mantenha, o reajuste pode ser eventualmente menor. O valor efetivo do salário mínimo em 2023 só será conhecido no fim do ano, quando o presidente editar a MP (medida provisória) com o novo piso.
É também no fim do ano que o governo faz o ajuste do chamado resíduo, eventuais diferenças entre a projeção e a inflação efetiva. Isso ocorre porque o governo define o piso nacional antes de o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgar o resultado oficial para o INPC, o que ocorre no início de janeiro.
Neste ano, por exemplo, o salário mínimo deveria ser de R$ 1.212,70 -ou R$ 1.213 com o arredondamento habitual. Mas o governo tinha uma previsão menor para a inflação e acabou fixando o piso em R$ 1.212, um real abaixo do necessário.
O ajuste dessa diferença não é incorporado na previsão enviada com o Orçamento, mas é feito no momento da edição da MP (medida provisória) que estipula o novo salário mínimo.
Além das variações de inflação, o valor do salário mínimo pode sofrer influência do resultado das urnas em outubro.
Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promete retomar a política de valorização, com ganhos reais para os trabalhadores.
Em uma lista de propostas incluídas no site oficial da campanha, o petista cita a busca por "reajustes acima da inflação para aumentar o poder de compra das famílias".
Quando foi presidente, Lula iniciou uma política de concessão de aumentos no salário mínimo acima da inflação. Sua sucessora, Dilma Rousseff, formalizou a prática com uma fórmula que vigorou entre 2011 e 2019: reajuste pelo INPC mais o crescimento real do PIB de dois anos antes.
O governo Bolsonaro, por meio da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), optou nos últimos anos por descontinuar essa política, devido ao efeito cascata do reajuste do salário mínimo sobre outras despesas públicas.
Benefícios previdenciários, assistenciais e despesas como abono salarial (espécie de 14º salário pago a trabalhadores formais que ganham até dois pisos) e seguro-desemprego são atrelados ao valor do salário mínimo.
Na LDO 2023, os técnicos calcularam que cada R$ 1 de aumento no valor do salário mínimo eleva o gasto total do governo em R$ 389,8 milhões. Na prática, o reajuste do salário mínimo pela inflação teria um impacto de R$ 35,1 bilhões no ano que vem.
Sob o teto de gastos, que prevê um limite para as despesas corrigido pela inflação, qualquer concessão de aumento real levaria à necessidade de um corte de gastos em outras áreas para evitar o descumprimento da regra.
A escolha do atual governo, porém, é constantemente criticada por entidades que representam os trabalhadores. Neste ano, o valor pago não era suficiente para comprar sequer duas cestas básicas por mês na cidade de São Paulo em janeiro, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Em maio deste ano, o valor atual de R$ 1.212 foi aprovado pelo Congresso sob críticas até mesmo de parlamentares governistas.
PRINCIPAIS PONTOS DO ORÇAMENTO
Auxílio Brasil
Foi previsto com pagamento mínimo de R$ 400, apesar de promessa de Bolsonaro por R$ 600. Na mensagem que acompanha a proposta, governo diz que se esforçará no Congresso para acrescentar os R$ 200
Imposto de Renda
Proposta não contempla reajuste da tabela do Imposto de Renda nem a ampliação da faixa de isenção, apesar das promessas de Bolsonaro feitas em 2018 e também neste ano
Subsídio para combustíveis
Texto prevê a continuidade do corte de tributos sobre combustíveis, implementado em 2022 para conter os preços nos postos