Reunidos em Assunção, nos próximos dias 23 e 24, os líderes dos quatro países do Mercosul vão se deparar com o atraso de um ano no esforço de fazer do grupo uma real união aduaneira.
A criação do Código Aduaneiro Comum e a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) serão mais uma vez adiadas e, apenas com uma boa dose de boa vontade e de sorte, poderão ser adotadas em dezembro deste ano. O desperdício de tempo tem uma razão evidente: a contaminação da agenda interna do Paraguai no processo de integração. Em dezembro passado, na cúpula da Costa do Sauipe (BA), os dois acordos estavam prontos para receber a assinatura dos presidentes.
Mesmo com concessões adicionais oferecidas pelo Itamaraty na última hora, o Paraguai boicotou a aprovação, na expectativa de arrancar do Brasil suas demandas em relação à venda de sua cota de energia de Itaipu e à dívida da usina. Sob a presidência paraguaia do Mercosul, no primeiro semestre, ambos os projetos foram engavetados. Em maio passado, o Itamaraty tentou quebrar esse bloqueio ao enviar uma nova proposta sobre o fim da dupla cobrança da TEC e a redistribuição da renda aduaneira.
Todos os detalhes do projeto anterior, de dezembro, foram removidos e optou-se por um modelo que oferece ao Paraguai, em uma primeira fase, poucas obrigações e amplos benefícios. A definição dos números ficará para a negociação que o Itamaraty espera desenrolar neste semestre, sob a presidência do Uruguai. A atitude do Paraguai, entretanto, foi suficiente para reacender os debates - e os atritos - no governo brasileiro sobre a paralisia do processo de integração.
Em flagrante queda de braço com o Itamaraty, o Ministério da Fazenda defende que a eliminação da dupla cobrança da TEC comece apenas entre o Brasil e a Argentina - responsáveis pela maior parte do comércio no Mercosul -, como ocorreu com o Sistema de Comércio em Moeda Local (SML). Uruguai e Paraguai se agregariam quando se interessarem.
Para a Fazenda, a medida não é apenas fundamental para a consolidação do Mercosul como união aduaneira. Também será o alicerce de um fundo comunitário, que permitirá a redistribuição de renda aduaneira aos sócios do bloco com base em critérios de redução de assimetria econômica e social, e não apenas contábeis. Trata-se do mecanismo que, na União Europeia, permitiu o desenvolvimento acelerado de países como a Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda.
Começar com o Brasil e Argentina significaria ainda escapar da decisão por consenso - regra basilar do Mercosul - e evitar que o processo de integração venha a ser refém de disputas entre os sócios ou de suscetibilidades políticas internas. "Tem de haver integração com quem quer se integrar", afirmou um colaborador do ministro Guido Mantega, da Fazenda. "Precisamos de pragmatismo e de resultados na integração. O Brasil tem de falar mais duro e exercer uma liderança benigna e responsável." O atraso na agenda interna do Mercosul também é o retrato da eclosão de conflitos comerciais internos, acentuados desde a deflagração da crise econômica mundial, e da preocupação mais intensa dos quatro sócios com o cenário político doméstico.
O anfitrião dessa cúpula, o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, enfrenta uma situação de paralisia de seu governo e de debilidade no jogo político interno, em função da inexperiência administrativa e de escândalos sexuais. O Uruguai, que receberá a presidência temporária do Mercosul no dia 24, está em plena corrida eleitoral. A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, colheu nas urnas a desaprovação de 70% do eleitorado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não conseguiu evitar a instalação da CPI da Petrobrás. Com isso, o único avanço do Mercosul na cúpula de Assunção poderá se dar na órbita institucional.
Está prevista a aprovação da nova composição do Parlamento do Mercosul (Parlasul), que leva em conta o peso demográfico de cada país e que valerá para as eleições marcadas para 2010 nos quatro países. Atualmente, o Parlasul funciona com 18 representantes de cada sócio. Em processo de adesão ao bloco, a Venezuela tem nove parlamentares, mas sem poder de voto.
Com a mudança, entre 2010 e 2014, o Brasil teria 37 representantes; a Argentina, 23; Paraguai e Uruguai, 18. Depois de 2014, o Brasil passaria a contar com 75 membros, a Argentina, com 43, Paraguai e o Uruguai, com 18. Mas, mesmo essa medida está sujeita a um tropeço de última hora. O Paraguai colocou preço para aprovar: quer a criação de um Tribunal de Justiça do Mercosul. A ideia causa arrepios ao Brasil.