Por maioria de votos, vencido o presidente, ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente, na sessão de 09.02.2012, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).
A corrente majoritária da Corte acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido da possibilidade de o Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima. O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas ?são condicionadas à representação da ofendida?, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres.
Também foi esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha. Primeira a acompanhar o relator, a ministra Rosa Weber afirmou que exigir da mulher agredida uma representação para a abertura da ação atenta contra a própria dignidade da pessoa humana.
?Tal condicionamento implicaria privar a vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança?, disse. Segundo ela, é necessário fixar que aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95).
Dessa forma, ela entendeu que o crime de lesão corporal leve, quando praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, processa-se mediante ação penal pública incondicionada. Ao acompanhar o voto do relator quanto à possibilidade de a ação penal com base na Lei Maria da Penha ter início mesmo sem representação da vítima, o ministro Luiz Fux afirmou que não é razoável exigir-se da mulher que apresente queixa contra o companheiro num momento de total fragilidade emocional em razão da violência que sofreu.
?Sob o ângulo da tutela da dignidade da pessoa humana, que é um dos pilares da República Federativa do Brasil, exigir a necessidade da representação, no meu modo de ver, revela-se um obstáculo à efetivação desse direito fundamental porquanto a proteção resta incompleta e deficiente, mercê de revelar subjacentemente uma violência simbólica e uma afronta a essa cláusula pétrea.?
Ao acompanhar o posicionamento do relator, o ministro Dias Toffoli salientou que o voto do ministro Marco Aurélio está ligado à realidade. O ministro afirmou que o Estado é ?partícipe? da promoção da dignidade da pessoa humana, independentemente de sexo, raça e opções, conforme prevê a Constituição Federal.
Assim, fundamentando seu voto no artigo 226, parágrafo 8º, no qual se preceitua que ?o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações?, o ministro Dias Toffoli acompanhou o relator.
Ministra destaca mudança de mentalidade
A ministra Cármen Lúcia destacou a mudança de mentalidade pela qual passa a sociedade no que se refere aos direitos das mulheres. Citando ditados anacrônicos ? como, ?em briga de marido e mulher, não se mete a colher? e ?o que se passa na cama é segredo de quem ama? ?, ela afirmou que é dever do Estado adentrar ao recinto das ?quatro paredes? quando na relação conjugal que se desenrola ali houver violência.
Para ela, discussões como a de hoje no Plenário do STF são importantíssimas nesse processo.
?A interpretação que agora se oferece para conformar a norma à Constituição me parece basear-se exatamente na proteção maior à mulher e na possibilidade, portanto, de se dar cobro à efetividade da obrigação do Estado de coibir qualquer violência doméstica. E isso que hoje se fala, com certo eufemismo e com certo cuidado, de que nós somos mais vulneráveis, não é bem assim. Na verdade, as mulheres não são vulneráveis, mas sim maltratadas, são mulheres sofridas?, asseverou.
Ao acompanhar o relator, o ministro Ricardo Lewandowski chamou atenção para aspectos em torno do fenômeno conhecido como ?vício da vontade? e salientou a importância de se permitir a abertura da ação penal independentemente de a vítima prestar queixa.
?Penso que estamos diante de um fenômeno psicológico e jurídico, que os juristas denominam de vício da vontade, e que é conhecido e estudado desde os antigos romanos. As mulheres, como está demonstrado estatisticamente, não representam criminalmente contra o companheiro ou marido em razão da permanente coação moral e física que sofrem e que inibe a sua livre manifestação da vontade?, finalizou.
Mesmo afirmando ter dificuldade em saber se a melhor forma de proteger a mulher é a ação penal pública condicionada à representação da agredida ou a ação incondicionada, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator. Segundo ele, em muitos casos a ação penal incondicionada poderá ser um elemento de tensão e desagregação familiar.
?Mas como estamos aqui fixando uma interpretação que, eventualmente, declarando (a norma) constitucional, poderemos rever, diante inclusive de fatos, vou acompanhar o relator?, disse.
O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, afirmou que a Constituição Federal trata de certos grupos sociais ao reconhecer que eles estão em situação de vulnerabilidade. Para ele, quando o legislador, em benefício desses grupos, edita uma lei que acaba se revelando ineficiente, é dever do Supremo, levando em consideração dados sociais, rever as políticas no sentido da proteção.
?É o que ocorre aqui?, concluiu. Para o ministro Ayres Britto, em um contexto patriarcal e machista, a mulher agredida tende a condescender com o agressor. ?A proposta do relator no sentido de afastar a obrigatoriedade da representação da agredida como condição de propositura da ação penal pública me parece rimar com a Constituição?, concluiu. O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, também acompanhou o relator.
?Estamos interpretando a lei segundo a Constituição e, sob esse aspecto, o ministro- relator deixou claramente estabelecido o significado da exclusão dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher do âmbito normativo da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), com todas as consequências, não apenas no plano processual, mas também no plano material?, disse.
Para o ministro Celso de Mello, a Lei Maria da Penha é tão importante que, como foi salientado durante o julgamento, é fundamental que se dê atenção ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal, que prevê a prevenção da violência doméstica e familiar pelo Estado.