No fim de setembro do ano passado, o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro começou a esboçar um projeto fora do serviço público: a criação de uma “escola de estudos jurídicos”, usando o próprio nome como marca. A “Escola Sergio Moro” ofereceria “treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial” e “cursos preparatórios para concursos”.
Na ocasião, fazia pouco mais de cinco meses que ele tinha desembarcado do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e, embora ex-juiz, ainda gozava da aura que fez o nome na operação Lava Jato – sua popularidade era maior que a do presidente, de acordo com a pesquisa XP publicada naquele mês. Passados seis meses, a escola não saiu do papel. Por intermédio de sua assessoria, Moro afirmou à piauí que a empresa não iniciou atividades e nem há previsão para que isso ocorra. Não quis, porém, dar entrevista.
No Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), Moro aparece como sócio-administrador da Escola Sergio Moro de Estudos Jurídicos Ltda., ao lado da mulher, a advogada Rosangela Maria Wolff de Quadros Moro. O endereço cadastrado é o mesmo informado à seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por Rosangela como seu endereço comercial: um conjunto de um edifício comercial no bairro Juvevê, em Curitiba. Na capital paranaense, pessoas do meio jurídico entendem o projeto da escola como sendo muito mais de Rosangela do que propriamente de Moro, em uma tentativa de capitalizar o que restou da “República de Curitiba”. Foi o que disseram quatro advogados ouvidos– dois dos quais atuaram em processos da Lava Jato. Um dos entrevistados disse que, assim que Moro deixou o governo, a ideia de Rosangela era dar início imediato às atividades da escola, mirando em cursos para prefeituras e empresas.
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), que tem cerca de 2 mil associados em todo o Brasil, teve acesso ao registro da empresa do ex-juiz e passou a acompanhar os eventuais desdobramentos do novo empreendimento. A entidade se diz favorável a ações que promovam o desenvolvimento e a formação de profissionais do direito, mas colocou uma ressalva em relação a Moro, em razão de o Supremo Tribunal Federal (STF) tê-lo considerado parcial no julgamento do caso do triplex do ex-presidente Lula (PT), no âmbito da Lava Jato.
“Moro atuou de maneira suspeita, parcial e ilegal, utilizando-se da sua condição de magistrado para fins pessoais. É no mínimo curioso pensar que tipo de direcionamento poderia ter essa sua atividade de formação de outros profissionais do direito”, disse Nuredin Ahmad Allan, advogado e membro da executiva nacional da ABJD. A ideia de ministrar atividades de formação não era, propriamente, uma novidade na família Moro. Em janeiro de 2018, ainda no auge da Lava Jato, Rosangela abriu uma empresa de cursos e palestras – a HZM2. Tinha entre os sócios o advogado Carlos Zucolotto Júnior, amigo próximo há duas décadas e padrinho de casamento de Moro. Ambos se deixaram fotografar juntos em eventos sociais (como um show da banda Skank, realizado em Curitiba, em agosto de 2017) e frequentavam o restaurante Paraguassu, ligado à família Zucolotto. O endereço da HZM2 registrado no CNPJ era o mesmo do escritório de Vicente Paula Santos, listado como advogado de dois dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, Januário Paludo e Carlos Fernando dos Santos Lima – conforme divulgou, à época, a Agência Pública. Os sócios deram baixa da HZM2 em setembro de 2019.
Em 2016, os irmãos Zucolotto participaram de uma articulação que levou uma comitiva de artistas (com Victor Fasano, Jorge Pontual, Luana Piovani, Susana Vieira, Lucinha Lins e Fagner, entre outros) à 13ª Vara Federal de Curitiba para manifestar apoio a Moro e às “Dez medidas contra a corrupção”, projeto encampado pela força-tarefa da Lava Jato. Os artistas, Moro e Rosangela confraternizaram no Paraguassu, posando para fotos publicadas nas redes sociais do estabelecimento.
Agora, na nova empreitada, a “Escola Sergio Moro” foi registrada formalmente em 28 de setembro do ano passado. Menos de duas semanas antes, em 15 de setembro, Moro tinha obtido seu registro profissional junto à OAB do Paraná, sob o número 105239. Apesar de não ter, então, completado seis meses fora do cargo de ministro, não havia impedimentos legais para que Moro constituísse empresa como sócio-administrador. Conforme a lei federal 12.813/13, haveria obstáculo caso houvesse conflito de interesses entre o trabalho desempenhado na função pública e as atividades privadas do agente.
“O que precisa se observar é se o ex-ministro poderia, nas atividades particulares, fazer uso de informações privilegiadas a que teve acesso no período de seu exercício no ministério. Os agentes não podem, por exemplo, prestar serviços a pessoas físicas ou jurídicas com quem tiveram relacionamento relevante durante o cargo, nem prestar consultorias relacionadas de alguma forma ao seu exercício prévio”, explicou o advogado Rafael dos Santos Pinto, que é mestre e doutor em direito e coordenador-adjunto da pós-graduação em direito empresarial e econômico da ABDConst.
Entre 2007 e 2016, Moro lecionou na Universidade Federal do Paraná (UFPR) como professor-adjunto de direito processual penal. Mesmo nos tempos mais favoráveis à Lava Jato, era visto com reserva pelos seus pares – principalmente, pelos mais “garantistas”. Exonerado da universidade pública em 2018, o ex-juiz foi contratado pelo Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba). Segundo um professor e um ex-professor da instituição, o prestígio de Moro o tornava um garoto propaganda para o programa de pós-graduação, mas o expoente da Lava Jato também assumiu uma disciplina da graduação. Moro tinha status de celebridade e chegava a ser tietado não só por alunos, mas também por um grupo reduzido de professores. Quando assumiu o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, passou a ir pouco à faculdade, mas permaneceu no quadro de docentes. Depois que vieram à tona as mensagens entre Moro e os procuradores, a coordenação da pós-graduação fez uma carta apoiando Moro, contou um professor. Em seu currículo lattes, Moro também informa ser professor do corpo docente do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Na semana passada, o ex-juiz esteve entre os “famosos” que enviaram vídeos de apoio a alunos da Fundação Getulio Vargas (FGV) que participavam de uma gincana universitária. Em uma gravação de dezessete segundos, Moro manifestou sua torcida à turma AE4. “Façam um bom curso. Estou apoiando vocês na gincana. Não se esqueçam de fazer sempre a coisa certa”, disse, repetindo uma das frases de uma campanha online que lançou nas redes sociais, após desembarcar do bolsonarismo.
Moro não é o único lavajatista a tencionar se aproveitar da fama para realizar atividades de formação. Reportagem publicada pelo site The Intercept Brasil mostrou que o procurador Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa, também manifestou intenção de oferecer cursos e palestras motivacionais. Segundo as mensagens divulgadas, Dallagnol já tinha até ideia de títulos para as palestras: “Turbine sua vida profissional com ferramentas indisponíveis”, “Ética nos Negócios e Lava Jato: prepare-se para o mundo que te espera lá fora”.
No fim do ano passado, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, publicou que Moro havia contratado para cuidar de sua imagem pessoal a Delos Cultural, empresa ligada a Dody Sirena, empresário do cantor Roberto Carlos. A intenção, segundo o colunista, era que o ex-juiz fosse “vendido” como “um dos líderes mais influentes do Brasil e do mundo”. A publicação não revelava quanto Moro desembolsou pela consultoria. Hoje, no entanto, o projeto parece estagnado. Com a suspeição de Moro reconhecida pelo STF, a popularidade dele despencou de entre 62% e 65% em 2016, para 45% – segundo pesquisa divulgada pelo DataFolha em 21 de março. No mesmo período, a rejeição ao trabalho do ex-juiz e ex-ministro dobrou, batendo 27%. Por enquanto, a “Escola Sergio Moro” permanece em stand by.