A tendência de queda no histórico de multas por uso do celular ao volante no Rio de Janeiro e em São Paulo é resultado do afrouxamento das fiscalizações e não da mudança no comportamento dos motoristas, segundo Eduardo Biavati, sociólogo e especialista em segurança no trânsito. Em nota, os órgãos responsáveis pelo sistema de tráfego das duas capitais negam ter havido qualquer negligência nas inspeções.
Em São Paulo, segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), o número de multas aplicadas por causa do uso de celular teve um aumento de 2,7% entre 2013 e 2014, quando foram cometidas 382.803 infrações. Mesmo diante do acréscimo, o índice é 20% menor do que o apontado em 2010, ano em que a capital paulista registrou o recorde de infrações (473.153). Situação similar acontece na capital fluminense.
De acordo com a Guarda Municipal do Rio de Janeiro, 39.746 infrações foram aplicadas em 2014. O número é 27% menor do que o registrado em 2013 (54.609) e 60% inferior ao computado em 2010, quando a cidade atingiu o recorde de multas de trânsito por uso de celular (100.367).
Apesar das quedas, conforme aponta o especialista, os smartphones continuam sendo utilizados e não apenas para atender ligações, mas também para usar aplicativos de localizador, interagir em redes sociais e até responder as frequentes mensagens do WhatsApp.
"Esse uso, ao contrário das multas, tem se intensificado cada vez mais", completou ele. Frequência também constatada pelos próprios motoristas. Dados da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia apontam que 84% dos motoristas de São Paulo e Rio de Janeiro admitem que usam o celular enquanto dirigem, apesar de reconhecerem o dispositivo como principal ponto de distração e estarem cientes do aumento do risco de acidentes.
"Mesmo no auge quantitativo de infrações, o número de multas é insignificante perto do número de pessoas que usam o smartphone enquanto dirigem", afirma o especialista. "Em 2009 e 2010, houve uma priorização nesse tipo de fiscalização, que acabou ganhando outro foco nos anos seguintes.
Atualmente, em São Paulo, vimos nitidamente a preocupação dos fiscais com as faixas exclusivas de ônibus." Para apontar a desproporção do número de multas com o hábito dos brasileiros, Biavati cita a expansão dos smartphones no país. "Atualmente, os celulares não estão mais restritos às classes média e alta. A classe baixa também está conectada. Passou a ser um fenômeno massivo."
O estudo do eMarketer, por exemplo, apontou o Brasil como o sexto maior mercado de smartphones do mundo, com 38,8 milhões de aparelhos em 2015. O ranking é liderado pela China, com 436,1 milhões. A lista dos cincos primeiros colocados inclui ainda Estados Unidos (143,9 milhões), Índia (76 milhões), Japão (40,5 milhões) e Rússia (35,8 milhões).
A CET informou, no entanto, que a fiscalização vem sendo mantida pelos agentes do órgão. Já a Guarda Municipal do Rio de Janeiro disse que suas ações de ordenamento e fiscalização de trânsito vêm aumentando, de forma geral, a cada ano.
"No ano de 2010, quando houve o maior número de flagrantes da combinação direção e celular, a GM-Rio aplicou 826.360 multas em toda a cidade, para todos os tipos de infrações. Já nos anos de 2012 e 2013, por exemplo, quando o número de multas para essa irregularidade foi inferior nos dois períodos, foram aplicadas 1.377.657 e 1.310.149 multas em geral, respectivamente, em toda a cidade. Desta forma, houve nos últimos anos aumento na fiscalização de trânsito, fato comprovado pelo aumento significativo de multas em geral aplicadas", afirmou por meio de nota.
Para justificar a queda das multas por uso do smartphone ao volante, a GM-Rio cita o crescente uso de películas nos vidros dos veículos, além do uso de tecnologias (fones sem fio, rádios, bluetooth) que acabam dificultando a ação dos agentes, "que só aplicam multa caso tenham certeza de que a infração está sendo cometida". "A própria conscientização dos condutores quanto ao perigo de usar o celular ao volante e sua mudança de hábito podem ter também influenciado", informou o órgão.
Risco de acidentes é 400% maior
Os riscos de acidentes pelo uso do celular ao volante se intensificaram consideravelmente com a ampliação das funções do dispositivo, como apontou Biavati. "Antes o uso do celular se restringia a ligações de voz, que demandava basicamente uma das mãos. A situação de risco foi maximizada com as mudanças do próprio uso do smartphone. Para você digitar qualquer letra, além da mão, é preciso olhar para a tela. Ou seja, a distração é mais profunda: perde-se o contato visual e o mecânico."
Um estudo do NHTSA --departamento de Trânsito dos Estados Unidos-- revela que o uso de dispositivos móveis ao volante aumenta em até 400% o risco de acidente. "Um risco muito maior do que o causado pela embriaguez", afirmou Biavati. Apesar da gravidade, segundo ele, os riscos não são levados a sério pelos motoristas, tampouco pelas autoridades por falta de estatísticas que comprovem o efetivo envolvimento dos celulares em acidentes de trânsito. "Há exames que podem comprovar o nível de álcool dos motoristas envolvidos no acidente, mas não há nada que possa provar se os condutores que causaram o acidente teriam se distraído com seus celulares."
Segundo André Pedrinelli, secretário-geral da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, qualquer dois segundos de distração para digitar uma letra sequer no celular são suficientes para causar um acidente. "Acidente que pode até provocar a morte de alguém", ressalta ele, que acrescenta que morrem no Brasil, em média, 50 mil pessoas ao ano em acidentes de trânsito. "Como os carros estão cada vez mais seguros, o motorista até pode ter a vida poupada, mas certamente sofrerá sequelas."
É preciso escolher, de acordo com ele, entre dirigir com total segurança e assumir todos os riscos pelo uso do celular ao volante. "O que vale mais estar vulnerável a um acidente de carro ou postar uma mensagem no Facebook alguns minutos depois?", questiona Pedrinelli que, como médico, orienta que as pessoas não usem em hipótese alguma o celular ao volante.
"Muitos acreditam que isso nunca vai acontecer com eles, mas depois que acontece se desculpar não resolveria a questão", acrescentou. A sugestão do especialista em segurança do trânsito é que os motoristas deixem os celulares no silencioso, os desliguem ou os deixem bem longe para evitar que caiam na tentação de darem uma espiadinha a cada notificação.
"Dizer que só irá usá-lo quando o farol estiver fechado ou quando o trânsito estiver parado é só uma desculpa para você mesmo", disse ele, que afirmou ser necessário o investimento em campanhas nacionais para alertar a população sobre os riscos, além do incremento no valor da multa, que atualmente é de R$ 85,13.
"Se subisse para R$ 700, por exemplo, certamente as pessoas pensariam duas vezes antes de usar o celular ao volante."