Uma frase do médico americano Stanley Plotkin, inventor do imunizante contra a rubéola e reconhecido mundialmente pelo trabalho como consultor no desenvolvimento de vacinas, dá a exata dimensão do tamanho da revolução que a vacina provocou no planeta: "Três intervenções mudaram o destino da humanidade: água potável, antibióticos e vacinas”.
Ao longo de décadas, doenças que deixavam um rastro de milhares de mortes, como a varíola, foram erradicadas ou controladas em todo o planeta. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano as vacinas salvam de 2 a 3 milhões de pessoas — dado que ainda não leva em conta a pandemia de Covid-19.
"As vacinas permitiram que vivêssemos no mundo atual, aumentando nossa estimativa de vida e tornando a população mais produtiva. Um dos indicadores de desenvolvimento humano é a mortalidade infantil, e os imunizantes contribuem diretamente para a redução dela", ressalta o infectologista e epidemiologista Bruno Scarpellini.
A drástica diminuição na ocorrência de doenças está diretamente ligada à vacinação em massa. Na contramão desse movimento, o sarampo volta com força em todas as regiões do mundo: segundo a OMS, o número de mortes pela infecção subiu 50% nos últimos três anos (só em 2019, foram mais de 207 mil óbitos). A organização afirma que “a reversão na luta contra o sarampo ocorre após um progresso global constante entre 2010 e 2016”.
"No caso do sarampo, é preciso fazer um reforço na adolescência ou no adulto jovem. E as pessoas esquecem. Normalmente a preocupação com as vacinas é maior na infância. Os idosos ainda recebem alguma atenção, mas os adultos ficam de lado. É necessário aumentar essa conscientização, uma campanha de vacinação bem-feita resolveria isso", adverte Scarpellini.
O medo da pandemia de Covid-19 parece piorar ainda mais o cenário da cobertura vacinal. No Brasil, imunizantes oferecidos a crianças com até um ano — como febre amarela, hepatite B (para bebês de 30 dias) e a segunda dose da tríplice viral — alcançaram índices pouco superiores a 50% no ano passado (confira mais na reportagem da página 3). Vale destacar que a meta mínima do Ministério da Saúde, dependendo da doença, é de 90% ou 95%.
A baixa adesão às vacinas se repete entre crianças maiores e adolescentes. No ano passado, cerca de 70% das meninas de 9 a 15 anos e aproximadamente 40% dos meninos de 11 a 14 receberam a primeira dose da HPV (veja mais sobre a vacina na página 7). Na segunda dose, os índices foram ainda piores: 40% e 30%, respectivamente. A meta é de 80%. O reforço da meningocócica C, que era oferecido dos 11 aos 14 anos e agora é aplicado dos 11 aos 12, teve resultado igualmente frustrante: ficou em torno de 40%.
Há, ainda, outro problema: a aplicação de vacinas de forma simultânea, para aproveitar a ida da criança ao posto de saúde, não vem sendo feita. São os casos da BCG e pólio, no nascimento; da segunda dose da rotavírus e pneumocócica 10-valente, aos quatro meses; da terceira dose da pólio e pentavalente, aos seis meses; e da primeira dose da tríplice viral e dos primeiros reforços da meningocócica C e da pneumocócica 10-valente, com um ano de vida.
Para o médico sanitarista e ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, dois fatores foram decisivos para esse desempenho: "Todas as pesquisas de opinião demonstram que a população brasileira tem grande adesão às vacinas, bem diferente do que vemos nos Estados Unidos e na Europa. O que aconteceu em 2020 foi uma queda importante de cobertura por uma dificuldade no acesso aos serviços por causa da pandemia. Mas também por uma total inapetência do Governo Federal em estruturar campanhas de comunicação que mobilizassem a sociedade para que esse resultado pudesse ser melhor. Não houve uma iniciativa para minimizar o impacto da pandemia e garantir um aumento da cobertura".