Esperança Garcia dá nome a formulário de prevenção ao feminicídio

O formulário eletrônico com base no Formulário Nacional de Avaliação de Risco, criado pelo CNJ, deve facilitar a avaliação de riscos de mulheres em situação de violência doméstica e familiar

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O Dia Internacional para Eliminação da Violência Contra Mulher será na próxima segunda-feira, dia 25 de novembro e segue durante os 16 dias de ativismo, com a conjugação de esforços de diversas entidades no sentido de dar visibilidade à violência doméstica e familiar, assim como na arquitetação de políticas de prevenção e enfrentamento desse tipo de violência.

A superintendente de Gestão de Riscos da Secretaria de Segurança do Estado, delegada Eugênia Villa, revela que entre as ações que terão reflexo nesses dias, está o desenvolvimento de um formulário eletrônico com base no Formulário Nacional de Avaliação de Risco, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para facilitar a avaliação de riscos de mulheres em situação de violência doméstica e familiar com soluções específicas para as necessidades do Piauí.

A proposta com as modificações que dizem respeito às peculiaridades regionais do estado foram apresentadas a todos os juízes da capital e do interior. "Essa foi uma deliberação colegiada. Fomos até a Agência de Tecnologia da Informação do Estado do Piauí (ATI) e transformamos esse formulário em um formato eletrônico que vai proporcionar a sua desterritorialização, sendo possível aplicá-lo no Piauí inteiro, além disso será uma medida prevista em lei", destacou a superintendente.

Eugênia Villa | Crédito: Raíssa Morais

Com isso, o Piauí segue na vanguarda na aplicação das políticas de prevenção à violência contra a mulher, uma vez que, segundo Eugênia Villa, o estado recebe mais um instrumento de enfrentamento à violência contra mulher, consistente em um mecanismo de prevenção para avaliar riscos e evitar o feminicídio, pautado em ciência, tecnologia e consciência. O formulário eletrônico receberá o nome de “Esperança”, em alusão a Esperança Garcia, mulher negra escravizada, considerada a primeira mulher advogada do Piauí que enviou uma carta ao governador da Província na qual denunciava violências e buscava por justiça.

"Quando tomamos essa política nacional e damos o nome de Esperança, nós estamos dando uma resposta a Esperança Garcia, que escreveu uma suplica ao governador em 1970 de seu sofrimento como uma mulher negra escravizada e com essa medida estamos dando uma resposta a essa carta escrita há mais de dois séculos", acrescentou.

Ainda de acordo com a delegada, com base em estudos do seu doutorado, 80% das mulheres que foram assassinadas na rubrica do feminicídio no Piauí são negras. "Nós continuamos com essa marca da colonialidade na atualidade. Mulheres negras representam o maior número de vítimas que sofrem feminicídio no estado, logo continuamos nessa perspectiva da questão da racialidade da mulher e esse formulário mostra que todas temos esperança na resposta do Judiciário", destacou.

52% das mulheres mortas no Piauí são por feminicídio

O formulário apresenta então fatores de risco que vão instruir o pedido da medida protetiva do Estado. O formato no padrão eletrônico do formulário Esperança Garcia, será lançado na segunda-feira (25), que também se tornará lei através de um projeto apresentado pelo deputado Franzé Silva. Todo segmento das polícias civil e militar será capacitado na aplicação e preenchimento do formulário eletrônico.

“No projeto de Lei nós mostramos a estatística do feminicídio no Piauí, com base nos dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP-PI), que mostram que em 2019, até a segunda quinzena de novembro, foram 44 mortes violentas de mulheres e desse total 24 foram feminicídios, portanto 52% das mulheres assassinadas no Piauí foram por violência doméstica ou discriminação de gênero”, afirma.

No formulário Esperança Garcia, a mulher responderá que tipo de agressões foi vítima: ameaças, perseguição ou atitudes que caracterizam violência psicológica. Poderá responder também se o denunciado tem acesso a algum tipo de arma, é dependente de álcool ou drogas ou apresenta ter doença psíquica.

O uso da tecnologia facilitará o trabalho dos policiais na coleta de informação e armazenamento de forma segura. “É dessa forma que nós entendemos que se faz política de segurança no enfrentamento à violência contra mulher e então vamos começar a conhecer os riscos aqui no Piauí e falar para o Brasil inteiro, quais são os fatores de risco que cercam as mulheres piauienses”, ressaltou a delegada Eugênia Villa.

Aspectos sociais sobre a violência contra mulher

Marcela Barbosa, professora, socióloga e pesquisadora nas áreas de violência de gênero e geração, feminicídio e violência contra mulher avalia que os aspectos sociais e culturais sobre a violência contra a mulher auxiliam a compreender os fenômenos da violência contra mulher e as desigualdades de gênero. Ela lembra que historicamente e socialmente existiu um processo de socialização e educação desigual, onde meninos foram educados a serem fortes, autônomos, com acesso a direitos e liberdade aos espaços públicos, já as meninas foram educadas a serem responsável pelas atividades domésticas, a serem recatadas e submissas.

Marcela Barbosa | Crédito: Raíssa MOrais

“Quem nunca ouviu a expressão 'menino não chora'? Já as meninas foram encorajadas a encontrem um 'príncipe encantado', com quem deveriam casar-se. Tais práticas contribuíram para a formação das masculinidades e feminilidades alimentadas por uma cultura machista e patriarcal. Quando um desses modelos é rompido, pode desencadear situações de violência e na maioria das vezes a violência é contra as mulheres”, descreveu.

Considerando a complexidade das relações sociais, a socióloga considera que se podem destacar situações que contribuem para os casos de violência contra as mulheres, tais como: a dependência econômica. “Ainda hoje há mulheres que não trabalham fora de casa, pois o marido ou companheiro não permite. Eles acreditam que as esposas devem ser responsáveis pelo lar e o cuidado aos filhos, cabendo a ele manter economicamente a casa; a falta de um apoio familiar é outro agravante, há situações que mulheres não têm apoio da própria família”, observou.

Em outros casos, moram longe dos familiares, ou sentem vergonha de expor sua situação; a dependência afetiva é outro sinal de preocupação, há mulheres que são independentes e que muitas vezes ganham até mais do que o marido, mas não conseguem romper o ciclo da violência, pois acreditam que o marido ou companheiro é única pessoa em sua vida e que não serão felizes com outro. Existem situações em que o próprio agressor subjuga a mulher, dizendo que ela não será feliz com outro. Neste caso, a autoestima e o psicológico da mulher são profundamente afetados.

“Muitas mulheres ainda temem fazer a denúncia, devido às ameaças do companheiro. O medo fala mais alto. Já em outras circunstâncias elas desconhecem as leis e as instituições que atuam em proteção aos direitos das mulheres. É um complexo de situações que permeiam a violência contra as mulheres, mas muita coisa já tem mudado e precisamos avançar mais. Por isso é uma responsabilidade de toda a sociedade, uma construção coletiva. Não é fácil para nenhuma mulher romper o ciclo da violência e não podemos condená-las. Nenhuma mulher gosta de apanhar”, conclui Marcela Castro. (W.B.)

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