A pesquisa de percepção sobre da violência contra a mulher divulgada recentemente pelo Ipea gerou grande repercussão ao concluir, por exemplo, que 63% dos brasileiros concordavam com a frase ?Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas?.
Em reação aos resultados do estudo, ganhou força nas redes sociais o movimento ?Não Mereço ser Estuprada?, em que mulheres posam em fotos sem roupa ou seminuas com cartazes de protesto contra a violência sofrida por mulheres no Brasil. Até mesmo celebridades como Valesca Popozuda e Geisy Arruda aderiram à campanha. Mas, segundo especialistas ouvidos pelo R7, o levantamento do Ipea tem uma série de problemas na sua realização e não reflete, necessariamente, o pensamento do brasileiro médio.
Para o economista Adolfo Sachsida, que já trabalhou na realização desse tipo de estudo para o Ipea, o primeiro e mais grave dos problemas é a amostra da pesquisa. O instituto ouviu 3810 pessoas em todo o Brasil, 66,5% dessas mulheres, 15 pontos percentuais a mais do que a proporção de mulheres na população geral, de acordo com o último censo, realizado em 2010 pelo IBGE.
? Essa amostra não pode ser usada para fazer inferências para a população brasileira porque ela não tem as características da população brasileira. Isso aconteceu com a pesquisa porque foram entrevistadas pessoas que estavam em suas casas em horário comercial.
O economista Marcos Fernandes, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), questiona também a formulação de boa parte das perguntas da pesquisa. Para ele, o levantamento do Ipea tem valor ao estudar a percepção da violência, mas não tem valor científico. Segundo ele, é um erro aferir a opinião das pessoas usando ditos populares como ?a roupa suja deve ser lavada em casa?, afirmação com a qual 89% dos entrevistados concordaram e ?em briga de marido e mulher não se mete a colher?, com 82% de aprovação entre os ouvidos pelo Ipea.
? Quando você pergunta se a pessoa concorda que em briga de marido e mulher não se mete a colher, não está sendo específico, é um dito popular. A pessoa dizer sim não significa que não denunciaria se o homem espanca a mulher. Existem problemas na formulação das perguntas que podem enviesar a resposta.
No caso da pergunta que motivou a campanha ?Não Mereço ser estuprada?, Fernandes afirma que não é possível afirmar que, de fato 63% dos entrevistados defendam que mulheres que usam roupas curtas devam ser estupradas. ?O termo usado na pergunta, o ?atacadas?, também gera margem para outras interpretações.?
Para Sachida, quando as perguntas foram formuladas de maneira direta e sem ambiguidades, ?o brasileiro mostrou que não é tolerante à violência contra a mulher?. Ele ressalta, por exemplo, que 91% dos entrevistados concordam que o homem que bate na esposa deve ir para a cadeia e 89% acreditam que o homem não pode xingar sua esposa.
A professora Wânia Pasinato, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, acredita ser importante o estudo do Ipea, mas ressalta que a metodologia das próximas pesquisas deve ser revista.
? Eu acredito que o questionário, de uma maneira geral, precisa ser revisto. Dependendo de como você enuncia uma questão, você induz uma resposta. Perguntar se uma mulher merece ser atacada não me parece a melhor maneira de fazer isso. Termos que se relacionam com a área de direitos humanos e violência contra a mulher exigem cuidado maior na elaboração.
Para ela, o estudo abre a possibilidade de discutir melhores métodos de se fazer pesquisas sobre a percepção da violência contra a mulher no Brasil.
? O Ipea é um instituto renomado, mas não tem experiência em estudos desse tipo. Eu sugiro que se realize um bom seminário com especialistas da área de políticas públicas e gente que estuda as questões de gênero para discutir os resultados e contribuir para que o instituto possa ser um aliado na luta de enfrentamento da violência contra a mulher. Divulgando números com alarde e deixando um vazio depois, essa pesquisa não contribui.
Outro lado
Questionado sobre os eventuais problemas do estudo, o Ipea afirmou que o pesquisador responsável pela pesquisa é o único que tem informações sobre a metodologia utilizada, mas está hospitalizado no momento.