“Fomos onde nenhum médico brasileiro queria estar”, diz cubano

Médicos cubanos relatam experiências ao deixar o Brasil.

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No interior de Pernambuco, o médico cubano Yoendri Veras, de 34 anos, esteve no país como profissional há pouco mais de dois anos e teve uma passagem rápida por Brasília nesta quinta-feira (22). Ele é um dos 430 profissionais de saúde que embarcaram na capital federal para retornar a Havana, com o fim do Mais Médicos.

Enquanto esperava o embarque no avião fretado da estatal Cubana de Aviación, no Aeroporto Internacional de Brasília, realtou sua experiência em sua passagem pelo Brasil. Segundo ele, está levando na bagagem recordações da experiência vivida no agreste pernambucano.

Formado há seis anos em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas Mariana Grajales na cidade de Holguin, em Cuba, o profissional diz estar “tranquilo” ao deixar o Brasil, embora considere a decisão "política". “Falo com satisfação de ter atendido, principalmente, o povo pobre. Trabalhava na zona rural, onde a população falava que tinha anos que lá não chegava um médico. [...] Nós, médicos cubanos, estávamos onde nenhum médico brasileiro queria estar.”

No município pernambucano de São Caetano – a 155 km da capital Recife –, com cerca de 30 mil habitantes, Yoendri atendia na Unidade Básica de Saúde pelo programa de Saúde da Família.

O Mais Médicos foi criado, em 2013, para levar profissionais a regiões desassistidas. No entanto, um levantamento do Ministério da Transparência de 2017 mostrou que muitas prefeituras aproveitaram as contratações do programa para demitir outros médicos que já trabalhavam no município, o que é proibido pelas regras do Ministério da Saúde. Na prática, essas prefeituras fizeram manobras para economizar dinheiro.

Atendimento diferente

As 40 horas semanais de trabalho de Yoendri Veras eram divididas entre a medicina tradicional e o que ele chama de “jeito cubano” de exercer a profissão.

“A diferença é que nós, médicos, fomos formados desse jeito: gostamos de olhar para o paciente, distribuímos e recebemos muito amor e carinho”, explica.

“Só de olhar e escutar, pode ser que não resolva o problema. Mas, a gente procurava colocar a mão no ombro e, só por isso, eles [pacientes] falavam que notavam a diferença no atendimento.”

Além das lembranças e das histórias, o médico cubano também embarcou nesta quinta com uma bagagem recheada de presentes para a família. Como o voo fretado pelo governo de Cuba não estabelece limite de peso para bagagens, Veras embalou todos os objetos de valor comprados no Brasil.

Na mala despachada, ele carregava a televisão comprada em Pernambuco, um aparelho de som e presentes para a filha que mora em Cuba – e que ele não vê há 11 meses.

Ao desembarcar, o cubano diz que pretende retomar a vida que levava antes de ingressar no programa. Segundo ele, o dia a dia era "muito bom, ao lado da família", mas a possibilidade de uma nova missão internacional não está descartada.

"Tem muitos países no mundo que abrem as portas para nós, médicos cubanos. Temos credibilidade", afirma.

Trabalho interrompido

A médica cubana Anisleidi Alonso, de 33 anos, embarcou no mesmo voo de Yoendri Veras com destino a Havana. Especialista em saúde da família, ela deixa o trabalho que exerceu por dois anos no município de Crissiumal, no Rio Grande do Sul.

Com 14,2 mil habitantes, a cidade gaúcha tem cinco unidades básicas de saúde, e um médico formado em cada posto. Sem o Mais Médicos, dois profissionais foram embora – e, segundo Anisleidi, dois postos fecharam.

“Fico triste porque gostaria de poder terminar meu trabalho. Atendia os pacientes mais carentes de todo o município. Agora, os postos ficam sem ninguém até que a prefeitura consiga outros [médicos].”

Na região, Anisleidi pôs em prática os seis anos de formação em medicina na Universidade de Ciência e Saúde, concluídos em 2009. “A medicina em Cuba tem um plano de estudo comum em todas as partes do mundo”, diz.

Questionada sobre o retorno a Cuba, a médica disse encarar o fato com otimismo. O objetivo, até agora, é voltar à cidade onde morava, Villa Clara - a 400 km de Havana –, para atender seu próprio povo.

“Não tenho rancor dos brasileiros. Estou voltando para meu país, onde me formei como médica. Tenho que ser grata a ele.”

“Meu povo me emprestou para trabalhar, ajudar o Brasil, e agora preciso voltar. Lá tenho meus pacientes. Vou continuar feliz como sempre fui, mas com um pouco de saudade.”

Retorno à ilha

Ao todo, cerca de 430 profissionais cubanos que atuavam no Brasil em contratos do programa Mais Médicos embarcaram para Havana, a partir de Brasília, na noite de quinta (22) e na madrugada de sexta-feira (23).

Até o fim do mês, outros voos fretados pelo governo cubano junto à estatal Cubana de Aviación devem deixar o Aeroporto de Brasília. Os profissionais chegam à capital federal em ônibus também fretados, carregando malas, animais de estimação e eletrodomésticos.

O trajeto de 5,2 mil km entre o Aeroporto Internacional de Brasília (BSB) e o Aeroporto Internacional José Martí (HAV), em Havana, dura cerca de 7 horas. Nas companhias comerciais, o percurso costuma incluir uma conexão no Panamá.

Os voos previstos para os médicos cubanos, no entanto, são charters – ou seja, fretados especificamente para estas viagens. A Cubana de Aviación não tem voo comercial permanente para Brasília.

Voos fretados não estão sujeitos, por exemplo, às restrições de bagagem da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Nestes casos, o volume e o peso máximo das malas devem obedecer a regras específicas da companhia contratada. A restrição de explosivos, cortantes e aerossóis, por exemplo, continua valendo.

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