O sinal está vermelho, e a luz fria de um poste de rua ilumina a fumaça em volta de 11 policiais da Força Tática paulistana, que carregam escudos e estão em posição de ataque. No primeiro plano, a cem metros dali, três manifestantes ensaiam uma aproximação. As bandeiras do Brasil e do estado na fachada de um hotel na esquina da Consolação com Maria Antônia, em São Paulo, estão estáticas.
O fotógrafo Sérgio Silva, de 31 anos, abaixou a câmera para conferir a imagem que acabara de fazer e ajustar o tempo de abertura do obturador. Antes do segundo disparo, sentiu o impacto no olho direito e uma dor lancinante.
? Pensei que era pedra, ou um pedaço da banca onde tinha me escondido. Mas logo vi que era bala de borracha da polícia ? conta o rapaz, que pedirá R$ 700 mil de indenização ao estado.
Para o advogado Paulo Sérgio Fernandes, não será preciso provar quem foi o policial que fez os disparos contra o fotógrafo, nem se teve a intenção de acertá-lo.
? Precisamos mostrar apenas que alguém disparou e feriu um fotógrafo no exercício legítimo da profissão ? explica o defensor de Silva, que prevê uma longa briga judicial em busca da indenização.
Antes disso, ele ingressará com uma ação cautelar cobrando do Estado um tratamento de qualidade para o profissional, que, na melhor das hipóteses, perderá 70% da visão, de acordo com os médicos.
O fotógrafo foi ajudado por um professor, que o socorreu e caminhou ao seu lado por 40 minutos até o hospital mais próximo, ajudando a conter o sangramento no nariz.
? Estava sufocado. Ele falava para eu ficar tranquilo, porque tinha que sair dali. Foi meu anjo da guarda ? conta o fotógrafo.
Do dia em que a polícia decidiu encerrar à bala a manifestação pela redução da tarifa de ônibus nas ruas de São Paulo, restou um trauma permanente e uma conta hospitalar de R$ 3,1 mil a ser paga.
Petição contra uso de balas
Uma petição on-line criada no site ?Change.org? pede ao governador a proibição do uso de bala de borracha contra manifestantes. Já foram reunidas 38 mil assinaturas. O fotógrafo ficou indignado quando o comandante da Polícia Militar, Benedito Roberto Meira, disse que ferimentos em jornalistas cobrindo manifestações são ?riscos da profissão?.
? Não estava no Afeganistão, nem era o Taleban à minha volta. Eu me senti desrespeitado, foi um comentário extremamente infeliz ? reclama.
De hora em hora, Silva precisa colocar uma compressa de água fria no olho ferido, porque involuntariamente tenta mover as pálpebras. Usa colírio com antibiótico e precisa ficar sob repouso absoluto. Ambientes escuros aliviam a sensação no olho esquerdo, agora mais sensível, mas agravam a angústia de quem não sabe se voltará a fotografar:
? É minha profissão, minha paixão. Temo não conseguir mais exercê-la tecnicamente. É mistura de medo e esperança.
A música é outra paixão e, nessa semana, ele chorou quando a mulher botou para tocar uma canção de Iggy Pop.
Considera a foto que fez no aniversário da mãe, em abril deste ano, a mais importante da sua vida.
? Foi a última vez que pude olhar para ela com os meus dois olhos.