Getúlio, para muitos teresinenses, é um rapaz carismático e divertido que costumava atacar de DJ por aqui. De 2017 para cá, o artista de 26 anos mostra um lado mais irreverente e repleto de talentos. Nasceu, então, Getúlio Abelha. O mais novo ícone, se não o pioneiro, do forró LGBT.
Dono dos sucessos “Laricado”, “Tamanco de Fogo” e outros, Getúlio é um sucesso na internet. O sobrenome ele pegou emprestado de uma antiga vocalista da banda Calcinha Preta. As referências de forró universitário e eletrônico, comuns para quem viveu a adolescência em Teresina na década de 2000, são marcas fortes na produção dele.
Com alegria, humor e letras divertidas, Getúlio também tem um lado de protesto, onde questiona desigualdades, homofobia e injustiças sociais. Como bom artista, Getúlio busca abrir mentes para um óbvio cada vez mais invisível.
No entanto, fundar um movimento ou um nicho é o de menos para Getúlio, que encontra criatividade na realidade nua e crua do Nordeste brasileiro. Ou melhor: o da “bicha” nordestina. Que não deixa de ser brasileira, embora muitos ainda insistam em tratar como seres de outro planeta.
Mas como Getúlio mesmo aponta, talvez o mundo esteja mesmo “ruim”. Não só para artistas, que também chegam como extraterrestres, como para a população em geral, carregada de mazelas sociais que não cabem apenas a regionalismos. É um problema nacional, que perpassa pela cultura. E é na cultura brasileira que Getúlio cava o próprio destino.
Jornal Meio Norte: Você acha ou tem certeza que nasceu para ser artista?
Getúlio Abelha: Minha parte mais romântica acredita que nasci pra ser artista, mas o lado racional acredita que qualquer um pode ser ou não artista, o que desmancha toda essa ideia de nascer para ser algo. Também vivo em conflitos da razão de eu ter nascido. Se eu nasci eu não sei o porquê. Mas o bom é que tem acontecido e ser artista deixa minha vida mais aliviada.
JMN: Quando decidiu que iria escrever as próprias músicas e fazer shows?
GA: Desde muito novo eu já sonhava com isso. Mas com a adolescência larguei essa ideia de ser cantor, apesar de compor algumas paródias ainda. Após alguns anos de teatro e cinema senti que fazia parte de um circuito muito fechado e desejava expor para mais pessoas o que eu fazia, além de poder direcionar o meu próprio trabalho. Passei um ano incerto, tentando a vida em algumas cidades e quando voltei pra Fortaleza estava decidido a começar uma trajetória na música. Em 2017.
JMN: Por que forró eletrônico?
GA: Passei um tempo pesquisando que coisas eu poderia fazer. Acreditava que faria algo eletrônico, oitentista ou rock, mas decidi ser honesto com minhas maiores referências de infância que eram o forró eletrônico, além de achar que o espaço me permitiria brincar com muita coisa e me comunicar com mais gente. E como minhas músicas tem um teor político forte, tocar um gênero regional e propor temáticas que vão contra o discurso comum desse gênero é mais interessante ainda.
JMN: Suas músicas e vídeos possuem fortes marcas de uma realidade social que muitas pessoas desconhecem. O que é ser um artista nordestino e LGBT para você?
GA: Ser artista, nordestino e LGBT é uma maravilha. Ser lgbt é difícil, mas é uma benção. Ser nordestino é difícil, mas é uma benção. Ser artista nordestino é complicado economicamente por causa da centralização em torno do sudeste, mas nossas mentes e forças são incomparáveis. De qualquer maneira sinto que a falha econômica em torno da cultura é um problema nacional, seria injusto eu focar esse problema no Nordeste. Por isso escolho dizer que ser daqui é maravilhoso. Até o momento parecemos ser a região que mais valoriza a cultura, pensando nas escolhas políticas nordestinas nas últimas eleições.
JMN: Comparações com Pabllo Vittar são inevitáveis apesar dos rumos diferentes das carreiras. No Twitter você já elogiou a drag. Toparia uma parceria com ela?
GA: Na hora.
JMN: Você foi para Fortaleza com a “cara e a coragem” para ser artista, agora colhe os frutos. Você passou por muitos “apertos”? Como foi esse processo de Madonna nordestina?
GA: Passei por muitos apertos, mas se comparado a uma parcela da sociedade, sou privilegiado. Então foi preciso ter consciência das minhas fragilidades e poderes, negociar com isso, ter muita força no que desejo e não dormir no ponto porque nada acontece sozinho. É necessário mexer a engrenagem. Não tive problema de me submeter a várias coisas em troca de realizar meus desejos.
JMN: Pensa em voltar a morar em Teresina?
GA: Não. Pode acontecer, mas não penso.
JMN: Ou em se mudar para São Paulo, onde existem mais oportunidades para seu nicho?
GA: Se for necessário passar um tempo eu passo, mas amo viver em Fortaleza. A internet e o avião estão aí facilitando tudo.
JMN: Você já teve oportunidade de falar com Paulinha Abelha [ex-vocalista do Calcinha Preta] sobre a homenagem no nome?
GA: Nunca. Tomara que role!
JMN: O que vem por aí? Novos singles, quem sabe um álbum? Você acha que o formato de álbum está mesmo defasado?
GA: Vou gravar um álbum. Não acho que está defasado. Sou um artista novo e quero colocar um álbum em jogo, ideias, conceito, encarte, sequência. Se o grande mercado não pede isso o problema é dele. Quero meu público cantando minhas músicas todas e não vou esperar meses pra lançar tudo. Logo começo uma campanha na internet para arrecadar dinheiro e lançar esse álbum.
JMN:Por que vale a pena ser artista?
GA: Porque desvia da rota, te abre um mundo à parte, te torna ET num planeta ruim, modifica quem está perto, move o setor social afetivo, cria mundos, é infinito.
JMN: Você teve visibilidade nacional pela primeira vez ao beijar a perna de nada mais nada menos que Britney Spears em um show. O que mudou do Getúlio fã da Britney para o furacão do forró lgbt?
GA: Aquela visibilidade não era minha, era de um fã da Britney, não importando quem fosse. A atual visibilidade é minha e do que faço, carrega meu nome.