Igreja São Benedito: a alma de Teresina no coração da cidade

A igreja está em obras e deve reabrir em 4 de outubro

Igreja São Benedito | Reprodução / Rede Meio Norte
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A Igreja São Benedito é a sala de visita dos teresinenses. O adro do templo religioso é palco de manifestações, carnaval e, claro, a liturgia de uma das mais tradicionais construções católicas de Teresina. Fechada para reforma desde 2016, após a queda do obelisco de sustentação de uma das torres, a igreja deve ser reaberta no dia 4 de outubro, às vésperas do dia de seu padroeiro. Ave, São Benedito! Santo negro com raízes na Etiópia.

O badalar dos sinos da igreja, sempre pontual, ao meio-dia, para a Oração do Angelus, não entoa há     mais de dois anos. A saudade fica para aqueles que convivem no entorno do espaço, como o comércio central e o palácio do governo. 

A igreja fica praticamente no coração da cidade, onde a coluna de sustentação, a Avenida Frei Serafim, leva o nome daquele que construiu o templo.  As torres imponentes da Igreja São Benedito, facilmente avistadas em imagens aéreas ou até mesmo da cidade vizinha, Timon, contam histórias que muitos teresinenses não conhecem.

Reprodução / Rede Meio Norte 

O que há por trás das portas entalhadas à mão pelo mestre Sebastião Mendes, artista negro do século XIX, que na década de 30 foram tombadas como patrimônio cultural brasileiro? Santo e artistas negros. A negritude enraizada em um dos mais tradicionais espaços de congregação da cidade. A arte e a espiritualidade de um povo que construiu este país e que é 70,7% da população do Estado. A São Benedito também é a representatividade de um povo.

A abertura da igreja é um desejo coletivo. Por ali foram celebrados casamentos, batizados, crismas, eucaristias, blocos de carnaval, manifestações contra o aumento da passagem de ônibus. A Igreja São Benedito é a alma de Teresina e de um povo em fervorosa, que não para nunca e vai sempre em frente.

“Quando vi a igreja fechada fiquei sem chão”

A Igreja São Benedito faz parte da história de muita gente. Para a professora Filomena Cristina,    mais ainda. Ela viveu de perto o cotidiano da igreja, pois sua mãe trabalhou durante muito tempo no convento. “A cidade era pequena, tipo interiorana. Quando a gente ouvia o sino, era uma alegria. Naquele tempo, a gente rezava mais, tinha mais tempo, não era essa correria. Todo mundo se curvava para a Igreja São Benedito, que sempre foi aquele centro para reunir as pessoas. Todo mundo que vinha de fora, vinha direto para a igreja. Era a referência da cidade. Quando tocava o sino, rezávamos Ave Maria. Sinto muita falta”, lembra, com a voz embargada.

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As boas lembranças sempre vêm à tona quando ela passa por aquele adro. Mas a maior saudade é o badalar do sino para o Ângelus. “Quando o sino tocar de novo, vai ser muita emoção. Minha mãe trabalhava no convento, e naquela época nem podia, mas ela era a lavadeira. Tinha um quartinho separado. Nós comíamos muito risoto, que eles, os italianos, comiam muito. Lá eles tinham uma horta, onde hoje é a quadra. Era interessante. Nós saíamos à noite com o Frei Reginaldo, para rezar nas casas. Por causa disso, conheço o pessoal dessas casas daqui do centro quase todo”, acrescenta Filomena.

A professora não contém a emoção ao falar da Igreja São Benedito. “Essa igreja faz parte da minha vida. Quando vi a Igreja São Benedito fechada, eu fiquei sem chão. Fiquei triste desde que tiraram o teto dela. O teto era feito um céu, por um artista que veio de fora. Era cheio de anjos. Eu acho que não deveriam ter tirado. Desde pequena, eu tinha o hábito de vir todo dia às 5h30 e participava de todas as atividades da igreja, além da escola. Quando fecharam, senti que arrancaram um pedacinho da minha vida. Assistir uma missa na Igreja São Benedito, com aquele vento que cortava a igreja toda, é uma lembrança muito boa. Quem morava aqui, quando volta fica triste, porque vê a igreja fechada”, conta.

A bióloga Ana Raquel Nascimento também viveu bons momentos no templo. “A Igreja São Benedito é um patrimônio para nossa cidade e o Piauí. Ela é de fundamental importância porque conta a história do nosso povo, além da religiosidade em si, que ela traz para a cidade”, afirma.

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Ana Raquel frequentava a igreja desde criança. “Minha mãe sempre me trazia para frequentar as missas. Aos finais de semana, eu sempre estava aqui, então boa parte da minha vida foi aqui. Minha expectativa é a melhor possível, e que com essa campanha que estão fazendo possamos voltar a rezar e confraternizar. Estou ansiosa para que a igreja seja reaberta. Será um prazer retornar a esse espaço tão abençoado”, considera.

Reforma da igreja acontece em etapas

A reforma da igreja, orçada em cerca de R$ 1 milhão, já gastou R$ 100 mil para recuperar uma das torres, que está em obras no momento. Os serviços começaram apenas em fevereiro de 2019, dois anos depois da queda do obelisco de sustentação. “Segunda-feira, esperamos terminar a primeira torre para partir para a segunda”, conta Frei Chagas.

A primeira etapa da obra será na parte estrutural das torres. Em seguida, os trabalhadores farão a reforma estrutural do telhado, forro, iluminação e pintura. A terceira fase, a mais complicada, será o trabalho de recuperação das portas de Sebastião Mendes. “Uma das flores da porta do lado esquerdo foi quebrada em um arrombamento, onde furtaram várias coisas da igreja. Quando aconteceu isso, a    igreja já estava fechada”, lamenta o Frei.

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As missas que aconteciam na São Benedito foram transferidas para o salão do Convento de São Benedito, o único local disponível. A igreja tinha dois horários de missa semanalmente, sendo um às 6h30 e outro às 17h30. No domingo aconteciam missas às 6h30, 9h, 11h e 18h, todas lotadas.

“Estamos fazendo as missas dentro daquilo que podemos oferecer. Quem está conosco é quem de fato ama a missão dos frades capuchinhos em Teresina. A Igreja São Benedito é muito amada pelo povo. Mesmo nesse espaço pequeno, com um calor imenso, nós acolhemos todos com muito carinho. As pessoas que vêm são quem estão nos ajudando na campanha. As missas permanecem, mas celebrações como casamentos e formaturas estão suspensas”, aponta.

São Benedito: um santo de cultura africana

Um santo milagreiro, é assim que é conhecido São Benedito, padroeiro da igreja. São atribuídos diversos milagres a ele, que chegou a multiplicar peixes para a refeição dos frades e nos ensinou que não devemos desperdiçar comida. “O desperdício de comida é o sangue dos pobres”, advertia o beatificado.

“No Brasil, a questão da escravidão foi forte. São Benedito, por ser um santo negro, era muito invocado pela comunidade negra, e ainda hoje é. Aqui não temos muito, mas os congados de São Benedito, as rodas de canto, são belíssimas. Benedito, mesmo sendo de filho de africanos, nasceu na Sicília, Itália, cidade de Frei Serafim, que construiu a igreja e homenageou um frade franciscano aqui em Teresina”, explica Frei Chagas.

Benedito viveu em função do cristianismo. “A vida inteira de São Benedito foi dedicada à vivência e prática do evangelho. Ele foi frade capuchinho, viveu a vida humildemente. Ele passou a maior parte da sua existência na cozinha, cuidando do refeitório, da horta e pedindo esmola para ajudar os mais pobres que os frades. Aqui nós temos o pão dos pobres, seguindo legado de São Benedito”, considera.

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Mas assim como o santo milagreiro, a paróquia da igreja que leva seu nome também está em fase de resiliência. “Nossas obras de caridade nunca pararam. Mas nós temos o convento, a igreja e a reforma. E tudo isso precisa de dinheiro. Além disso, temos funcionários, como zeladores e secretários. Quem mantém isso é a paróquia, que teve queda no poder aquisitivo pela perda de dizimistas. Os doadores também diminuíram com o fechamento da igreja. Imagine que a São Benedito cabia mais de 800 pessoas, agora nossas missas têm 150, por conta do espaço”, aponta Frei Chagas. 

A história que ninguém contou

A coordenadora de Registro e Conservação da Secretaria de Cultura do Piauí (Secult), a arquiteta Patrícia Mendes, conta a história que ninguém contou sobre a Igreja São Benedito. Marcada por uma sociedade racista, a igreja foi construída pela força e vontade dos negros, que queriam um local digno para frequentar as missas.

“A Igreja São Benedito tem uma história não contada. Ela está envolta, assim como outras igrejas, por uma área de enterrados, de cemitérios. Geralmente eram enterrados negros, suicidas, leprosos, indigentes na área dessas igrejas, principalmente na São Benedito.  Isso revela um pouco da sociedade de Teresina. Isso era algo que acontecia no século XIX, mas muitos comportamentos são reproduzidos até hoje”, conta Patrícia Mendes.

O teresinense, racista pela natureza escravocrata, não perdoava a cor de muitos fiéis. “Se você prestar atenção nos frequentadores da Igreja São Benedito, são pessoas que moram no centro, pessoas mais idosas, que têm ali como um santuário. Isso vem de muito tempo. O relato também era feito por Frei Serafim de Catânia, italiano responsável pela construção deste templo católico, que junto com ele, no século XIX, também foi feita a Catedral da Nossa Senhora das Dores. A Igreja São Benedito, de 1886, veio depois da Igreja da Nossa Senhora do Amparo, sendo que a primeira mesmo foi a Capela Nossa Senhora do Amparo, no Poti Velho. Nesta época, você imagina, já existiam três igrejas e toda a sociedade passeava por elas. Mas em nenhum desses espaços os negros eram bem-vindos. Eles eram excluídos e acaba que na Igreja São Benedito eles conseguiram adentrar por causa da construção, que foi erguida com o dinheiro, suor e entusiasmo dos escravos”, revela.

Raissa Morais

A marginalidade levou os negros a construírem o próprio espaço. “Eles fizeram uma associação para dar início à obra e fizeram fundos por anos para a construção. Geralmente escutamos que eles fizeram a história da construção, mas nunca falam que essa ideia de financiar e construir era dessa associação que os negros tinham, que também era usada para alforria deles”, avalia.

Frei Serafim, de certa forma, serviu como liderança. “A função de Frei Serafim, de acordo com a versão histórica, era de coordenar os negros, através do conhecimento técnico que ele tinha, porque Serafim de Catânia tinha formação de arquiteto, algo que nem imaginávamos. Esses são fatos de grandes historiadores que estou passando”, aponta Patrícia Mendes.

As portas tombadas de Sebastião Mendes

Sebastião Mendes, o único artista piauiense que tem uma obra tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi quem construiu as portas da Igreja São Benedito. “As portas ilustram o preconceito racial da época, porque Sebastião era negro também. Artista, negro e as fontes diziam também que ele era um suicida. Ele é o entalhador das portas, a única obra de arte tombada pelo Iphan no Piauí. São sete portas, uma central, três de um lado e três de outro. Cinco foram entalhadas por ele. Os motivos são flores e folhas. Ele morreu em 1886, antes de ver o trabalho concluído. Por isso, as outras portas foram passadas a outros artistas, que imitaram o que ele já tinha feito”, explica a arquiteta.

As portas da Igreja São Benedito foram tombadas em 30 de novembro 1937, através do Decreto 25 do Iphan. “As pessoas esquecem quem foi Sebastião Mendes. Ele é totalmente esquecido. Falam muito da Igreja, o Iphan fez sua parte tombando as portas na década de 30, através do decreto lei número 25. Mas em 2006, eu mesma, pelo Estado, através da minha coordenação, tombamos a Igreja inteira. Edificação, adro, área de entorno, além de retábulos e arte sacra. O município protegeu os sinos da Igreja. Mas ainda tem muita coisa por aí para descobrirmos deste grande entalhador”, conclui a coordenadora de registro e conservação da Secult.

Prêmio vai ajudar a Igreja São Benedito

Frei Serafim de Catânia foi um missionário capuchinho nascido em Catânia, na Itália, humilde, afetuoso homem de uma barba longa. Foi o responsável por lançar a pedra fundamental da construção da Igreja São Benedito, no dia 13 de junho de 1874, no local conhecido na época como Alto da Jurubeba. A casa de Deus recebeu o nome do padroeiro dos negros.

Com o passar dos anos, a Igreja de São Benedito sofreu o desgaste natural do tempo, e em 2016 precisou ser fechada para iniciar sua restauração. Agora, a Igreja de São Benedito precisa de sua ajuda para poder concluir as obras e lança o Recibo de Contribuição Premiável Abrace A São Benedito.

Raissa Morais

Para contribuir com este projeto, basta adquirir o recibo de contribuição premiável, por apenas R$ 10,00, em vários pontos espalhados pelo Piauí e parte do Maranhão, e automaticamente você estará participando do sorteio referente à premiação da semana. Os sorteios são semanais e todas as semanas o Abrace a São Benedito vem com premiações incríveis, e a partir do momento que você faz a parte social ajudando o templo católico a concluir as obras de restauração do nosso patrimônio histórico, você concorrerá a prêmios.

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