O babaçu é o sustento de milhares de famílias espalhadas pelas matas de cocais do Meio Norte do Brasil. O ofício milenar, apreendido dos índios e perpetuado entre os sertanejos, é a esperança que vem do gongo (larva branca que vira farofa), da amêndoa, do óleo e, agora, até do mesocarpo, que pode ser transformado em biocombustível.
A produção modernizou e, hoje, os machados se transformam em equipamentos modernos de aço e alumínio. A partir de uma emenda obtida pela então senadora Regina Sousa (PT), hoje vice-governadora do Piauí, a comunidade terapêutica Maria Madalena, unidade feminina da Fazenda da Paz, recebeu o maquinário necessário para aproveitar 100% do babaçu, obtendo vários subprodutos.
Agora, as internas têm a oportunidade de aprender uma profissão, montar uma cooperativa e lucrar a partir de um trabalho honesto, que exige disciplina e dedicação. A partir disso, um adeus ao mundo das drogas e um processo de recuperação físico, espiritual e laboral realizado pela Fazenda da Paz.
“Estou muito ansiosa para começar a trabalhar, assim como as outras meninas que me acompanham na casa. Ao todo, somos 10 meninas. É um projeto maravilhoso e rico para nós, cheio de novidades. Recebemos uma capacitação há três meses, com orientações de como funcionam as máquinas. Agora vamos para a prática”, conta Maura Constância, interna da Fazenda da Paz.
Em uma verdadeira lição de sororidade, a interna ressalta que é preciso da força mútua das internas para um futuro de esperanças. “Antes tínhamos visto como era o processo, quebrando com o machado, como era antigamente. Mas com as máquinas será mais rápido e rentável. Nós e a Fazenda da Paz Maria Madalena, nossa comunidade feminina, vamos ser beneficiados. Vamos nos envolver, criar uma renda. Muitas de nós são mães, assim como eu. Queremos montar uma cooperativa para ajudarmos umas às outras”, enfatiza Maura.
Quebradeira conhece maquinário e busca soluções para cooperativa
Salvanita Galeno Pinheiro é quebradeira de coco há bastante tempo. Ela trabalha em uma cooperativa localizada no povoado Sapucaia, que funciona na zona rural de União, limítrofe com a região da zona rural de Teresina, que abriga a unidade feminina da Fazenda da Paz.
A cooperativa extrai o óleo do fruto do babaçu. “Do coco a gente tira tudo. Com essas máquinas, podemos ampliar a produção também. Viemos aqui entender como funciona e saber como podemos participar desta microfranquia, pois ainda trabalhamos com a quebra manual”, aponta Salvanita.
A vice-governadora Regina Sousa quer multiplicar a ideia. “É um projeto muito interessante que pode tirar as filhas das quebradeiras de perto do machado. As máquinas modernizam a produção e ampliam a capacidade de lucro. Só para você ter ideia, o quilo do mesocarpo custa R$ 25. Dá para fazer até cola”, conta a vice-governadora, que participou da solenidade de entrega do maquinário.
Da cosmética à saúde, o coco é utilizado em amplos segmentos. “As pessoas compram suplementos de cálcio nas farmácias, quando o babaçu é uma fonte natural. Muitas pessoas já procuram. No meu tempo de menina, eu não sabia que dava para tirar tanta coisa, quando eu era menina, a gente tirava o leite, o coco torrado, o óleo, mas hoje existem sabonetes maravilhosos, tanta coisa”, enumera Regina Sousa.
Os novos meios de produção garantem à classe trabalhadora dignidade no ofício. “A extração foi facilitada e vamos espalhar essa ideia para produzirmos em grande escala. É preciso fomentar meios para a criação de emprego e renda”, acrescenta a vice-governadora Regina Sousa.
Fazenda da Paz vai multiplicar a ideia
O projeto-piloto de aproveitamento do coco babaçu beneficia a Fazenda da Paz Feminina, unidade do grupo que atua há anos no amparo a pessoas com dependência química. Na unidade masculina, a produção de cajuína já é um sucesso.
Diana Pacífico, assistente social da Fazenda da Paz, vê com bons olhos a iniciativa. “A importância desse projeto é muito grande quando pensamos em nosso projeto terapêutico. Elas precisam aprender algo para auxiliar no tratamento. Adquirir conhecimento é uma boa maneira de vencer as drogas. Depois que elas saírem daqui, elas vão poder ter uma profissão”, avalia.
A assistente social frisa que o combate à dependência química deve abranger também a formação profissional. “É mais um valor agregado aos 12 meses de tratamento que elas passam aqui para vencer a dependência química. A Universidade Federal do Piauí e a vice-governadora foram fundamentais para instalar o maquinário. Atualmente, temos capacidade para até 12 internas, mas queremos ampliar”, contabiliza.
Diana Pacífico frisa que o projeto pode ser ampliado à unidade masculina. “Nesse primeiro momento, vamos pesquisar direito como vai funcionar, então estamos focando na unidade feminina. Mas é possível, sim, que possamos ampliar o projeto também para a unidade masculina, em um futuro próximo”, explica.
Tradição valiosa que ganha reconhecimento da academia
A Universidade Federal do Piauí (UFPI) é uma importante parceira para a implementação da cadeia produtiva do coco babaçu na Unidade Feminina da Fazenda da Paz. A ideia de formar um tripé entre o tratamento terapêutico, o trabalho das internas e a produção científica colhe resultados do fruto que já mudou tantas vidas ao longo da história brasileira.
Para Tiago Patrício, administrador e gestor ambiental que idealizou o projeto, é a vez da economia tradicional tomar o grande mercado. “É um produto tradicional e valioso que ganha o reconhecimento da academia. Com a junção desses dois braços, trazemos um modelo que torna o babaçu doméstico e com aproveitamento integral para as comunidades rurais que podem aproveitar essa riqueza, além, é claro, da Fazenda da Paz”, aponta.
Um produto versátil com diversas aplicações. Assim pode ser definido o babaçu. “Podemos tirar até sete produtos do coco usando o maquinário disponível aqui. Temos o óleo extravirgem, o leite, o azeite prensado a frio, o café do babaçu, a farinha do mesocarpo, a fibra e o carvão ativado”, detalha Tiago Patrício.