Infarto pode ter sido causa da morte Paulo Malhães, diz legista; coronel morreu em seu sitio

Guia de Sepultamento do coronel reformado traz isquemia de miocárdio e edema pulmonar como motivos que levaram ao óbito

Guia de sepultamento do coronel reformado Paulo Malhães, à qual O GLOBO teve acesso | Reprodução/internet
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As causas da morte do coronel reformado do Exército Paulo Malhães, encontrado morto em seu sítio nesta sexta-feira, foram edema pulmonar, isquemia de miocárdio e miocardiopatia hipertrófica, segundo a Guia de Sepultamento do militar, obtida com exclusividade pelo GLOBO. O documento é necessário para realizar o enterro.

Consultado pelo GLOBO, o perito criminal e médico legista Nelson Massini, com base nas informações do texto, aponta que o militar possivelmente teve um infarto por causa do que ocorria no momento da morte.

De acordo com o especialista, os dados da guia indicam que o óbito não foi ocasionado por algum tipo de violência, como asfixia, uma das possibilidades investigadas pela polícia. As hipóteses levantadas são latrocínio (roubo seguido de morte), vingança pessoal ou queima de arquivo.

Malhães tomou os noticiários ao contar ao GLOBO como funcionava o centro de tortura clandestino da ditadura em Petrópolis. Ele também revelou o destino do corpo do ex-deputado Rubens Paiva. O militar teve atuação de destaque na repressão política durante a ditadura e, no mês passado, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), assumiu ter participado de torturas, mortes e desaparecimentos de presos políticos.

? Edema pulmonar e isquemia de miocárdio provavelmente é infarto. Ele deve ter infartado com a história toda. Deve ter ficado nervoso e sofrido muito na hora, causando uma insuficiência cardíaca ? explicou o especialista.

O legista esclarece que a causa apontada na Guia de Sepultamento, na maioria dos casos, também está registrada na certidão de óbito, que não foi divulgada pela família.

A filha do coronel Carla Malhães, de 51 anos, confirmou que o pai tinha problemas cardíacos, mas não deu detalhes sobre a certidão de óbito:

- Ele tinha problemas cardíacos sim. Era um idoso, tinha 77 anos - disse.

Carla revelou ainda que a família, neste momento, não está preocupada com a motivação do crime:

- Não estamos pensando em nada disso. Isso é com a polícia. A gente está se despedindo do nosso pai. Mas, para vocês, ele era o coronel da ditadura. É um momento doloroso, não pensamos em nada ainda, não podemos dizer nada.

O corpo chegou ao cemitério municipal de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, por volta de meio-dia. No local, além de familiares, amigos e vizinhos acompanham o velório. Filho do militar, Paulo Malhães, 28 anos, conversou rapidamente com O GLOBO:

? A gente sabe o que ele era para vocês (referindo-se à imprensa), mas para a gente ele era somente o nosso pai ? disse.

O jovem informou ainda que, nos últimos dias, o pai não comentou se estava recebendo algum tipo de ameaça.

? Ele não chegou a comentar nada sobre isso. Não sabemos de nada. Estamos tão perdidos quanto vocês ? afirmou.

Em depoimento à Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense, a mulher de Malhães, Cristina Batista Malhães, e o caseiro deles, Rogério, que não teve divulgado seu sobrenome, afirmaram que chegaram ao sítio em Nova Iguaçu às 14h de quinta-feira e encontraram três homens dentro da casa. Um estava encapuzado e rendeu Cristina, outro imobilizou o caseiro e o terceiro levou Malhães para um quarto.

A polícia calcula que Malhães morreu por volta das 16h ? duas horas depois da rendição. Há marcas em seu rosto e pescoço, o que levou a Polícia Civil a investigar que ele poderia ter sido morto por asfixia.

Segundo os depoimentos, os homens que ficaram com Rogério e Cristina mandavam que eles mantivessem a cabeça abaixada. Foram roubados do sítio um computador, uma impressora e pelo menos três armas antigas ? uma de cano longo e duas de cano curto.

Cristina e Rogério disseram que não ouviram gritos de tortura vindos do quarto e foram libertados pelos próprios invasores quando eles deixavam a casa.

Familiares afirmaram que ele não relatou ter recebido nenhuma ameaça desde que fez as revelações sobre o caso Rubens Paiva e depôs na Comissão da Verdade.

Eles disseram ainda acreditar mais na hipótese de latrocínio (roubo seguido de morte), embora não descarte nenhuma possibilidade por conta da exposição que o coronel teve ao aparecer publicamente na Comissão da Verdade.

Ex-deputado jogado no mar

O tenente-coronel reformado afirmou ao GLOBO que foi o responsável, em 1973, por dar um fim definitivo ao corpo do ex-deputado Rubens Paiva, enterrado dois anos antes nas areias do Recreio dos Bandeirantes. Ele disse que montou uma equipe de 15 homens, disfarçados de turistas, e passou 15 dias abrindo buracos na praia até encontrar o corpo ensacado.

? De lá, ele (o corpo) seguiu de caminhão até o Iate Clube do Rio, foi embarcado numa lancha e lançado no mar. Estudamos o movimento das correntes marinhas e sabíamos o momento certo em que ela ia para o oceano ? contou.

Em depoimento à CNV, o militar admitiu que participava da equipe responsável por torturar, matar e ocultar os corpos das vítimas da repressão. De acordo com ele, os torturadores arrancavam os dedos e a arcada dentária para impedir a identificação dos corpos e depois os jogavam em um rio da Região Serrana, próximo à Casa da Morte.

? Naquela época não existia DNA, concorda comigo? Então, quando o senhor vai se desfazer de um corpo, quais são as partes que, se acharem o corpo, podem determinar quem é a pessoa? Arcada dentária e digitais, só. Quebravam os dentes e cortavam os dedos. As mãos, não. E aí, se desfazia do corpo.

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