Seis meses cumprindo medida socioeducativa em centros do Distrito Federal fizeram o jovem Matheus [nome fictício], 18 anos, tomar uma decisão importante: esquecer a ?vida de drogas e roubos? e estudar. Mesmo já tendo concluído o ensino médio, ele conseguiu autorização da direção da Unidade de Internação do Recanto das Emas para frequentar a escola como ouvinte e levar apostilas, caderno e caneta para o quarto. O resultado veio em pouco tempo. Quase cem dias depois, o nome dele estampava a lista de aprovados em educação física na Universidade de Brasília.
?Só fui à UnB uma vez, para vender drogas e roubar", contou. "Eu acho que vai ser uma experiência diferente. Todo mundo fala que na universidade surgem muitas oportunidades, que no segundo semestre a gente pode estagiar. Agora, vou à UnB como uma pessoa normal.?
Matheus diz enxergar na graduação uma oportunidade de mudança. Ele foi apreendido em outubro do ano passado, a dez dias de completar a maioridade, em um episódio que classifica como um ?mal-entendido?. O jovem usava uma camiseta vermelha e óculos escuros ? mesma descrição dada pelas 12 vítimas do suspeito de três assaltos em série ocorridos no Cruzeiro Novo.
Apesar de não ter sido reconhecido por ninguém, o rapaz acredita que permaneceu detido por ter um ?histórico ruim?. Então funcionário de uma drogaria que funciona perto de casa, ele estava em semiliberdade por atos infracionais análogos a tráfico de drogas, roubos, lesão corporal e porte ilegal de arma.
?Eu achava que comemoraria meu aniversário na beira do Lago [Paranoá], mas não foi o que aconteceu. De alguma forma, bateu um sentimento de revolta. Eu estava sendo culpado injustamente, por algo que não fiz. Mas na minha cabeça teve espaço para tudo, inclusive que, querendo ou não, eu procurei. Achava que eu estava pagando pelo que fiz e ninguém havia descoberto?, disse.
O jovem passou pelo Centro Socioeducativo Amigoniano (Cesami) e pela Unidade de Internação do Plano Piloto. Lá, ficou até o final de março, quando o espaço foi desativado e demolido. Desde então, Matheus cumpre a medida socioeducativa no Recanto das Emas.
Entediado com a rotina de apenas acordar, almoçar, tomar banho de sol, jantar e ver televisão com os cinco companheiros de quarto, o rapaz pediu para acompanhar as aulas do ensino médio como ouvinte. As três horas por dia em sala de aula não lhe pareceram suficientes, e o garoto decidiu aproveitar o tempo em que os colegas assistiam a novela para ler as apostilas e fazer novas anotações.
"Não é que eu não gostasse de ver TV também, mas aquilo cansava. Era legal, mas não ia para lugar nenhum. Preferia estudar. Eu nem sei dizer como que eu me concentrava, mas dava certo. Eram mais duas ou três horas por dia no quarto", afirma o jovem. "Eu gosto muito de matemática e física."
Matheus recebeu o apoio dos funcionários da unidade ? um dos agentes levava canetas de casa para o garoto todas as vezes que um colega confiscava, duvidando que ele realmente estivesse estudando ? e dos pais. Recepcionista de um salão de beleza, Laura [nome fictício] lembra que chegava a comer dentro do carro ou na fila para nunca deixá-lo sozinho nos dias de visita. O orgulho era grande quando o garoto mostrava as redações que treinava na escola.
?Uma vez ele me disse: ?mãe, a senhora não desiste de mim? A senhora passa vergonha toda vez?. E, por mais que eu ficasse chateada de vê-lo, com todas as oportunidades que teve, fazendo o que fazia, eu nunca desisti. Eu nunca desistiria?, diz a Laura [nome fictício]. ?O Matheus é um menino inteligente, começou a ler com 4 anos. Estudo na nossa casa sempre foi prioridade.?
Mas, apesar da dedicação, o rapaz não cogitava prestar vestibular. A inscrição foi feita pelo pai, o militar Afonso [nome fictício], e contra a vontade do filho. O homem contratou um advogado para pedir à Justiça autorização para que o garoto participasse dos dois dias de seleção. Para surpresa dele, o pedido foi negado, com a alegação de que Matheus tinha pouco tempo de internação. A família entrou então com uma liminar e conseguiu que ele fizesse a prova.