Roubado pelas dificuldades impostas ao decorrer da vida, o sorriso é devolvido, resplandecendo sob o mais nobre agradecimento, permitindo novas visões, onde não cabe a vergonha, nem qualquer constrangimento.
Aparentemente inócuos, os problemas bucais se difundem, não limitando-se a uma questão estética, assume a atenção da saúde pública, brotando no seio da comunidade mudanças lineares, adaptando os olhares para a realidade apontada.
O ensejo da discussão esbarra na falta da informação, aprisionando desde a infância milhões de brasileiros. Reféns de imperfeições nos dentes, ficam escondidos, furtam-se do convívio social e da mais bela expressão da felicidade.
No Piauí, a dentista Suzane Nery resolveu dar um basta no sofrimento de jovens e crianças na faixa etária de 11 a 18 anos. Integrando a equipe de profissionais da ONG (Organização Não Governamental) Turma do Bem, oferece tratamento odontológico a pessoas que não podem pagar pelo serviço, recentemente, seu trabalho foi reconhecido em âmbito nacional, sendo alçada ao posto de dentista mais atuante do Brasil no projeto.
A honraria propulsiona ainda mais a vontade de continuar os tratamentos gratuitos, doando novas perspectivas a cada um dos pacientes de comunidades de baixa renda.
“Ficamos responsabilizados por ela até os dezoito anos, tudo do que ela precisa eu tenho que tentar resolver, mesmo que seja um procedimento que eu não faça, existem diversas especialidades dentro da odontologia e eu não faço tudo.
Se ela precisa de um tratamento ortodôntico eu tenho que arranjar um ortodontista, se precisa de um canal permanente, eu preciso buscar um profissional que faça, assim como se precisar de uma prótese, eu tenho que solucionar e se há algum tipo de despesa tem que ficar sob nossa responsabilidade”, explica.
Tal responsabilidade é dividida com mais 5 mil guardiões no país, o compromisso se congraça ao notar os efeitos da transformação ocasionada pelo atendimento; nesses momentos, entra em voga a percepção de que os horizontes se expandem e os ganhos abarcam a autoestima, afloram a esperança.
“Eu acho que isso faz muito bem para o nosso ser, porque temos que pensar no universo ao qual fazermos parte, temos que nos sentir responsáveis pelas coisas que acontecem e a carência ainda é muito grande, precisa sair da zona de conforto e se doar um pouco mais”, impõe a profissional.
Nery declara que o próximo objetivo é despertar o desejo do voluntariado em outros dentistas, fortalecendo a rede, angariando novos “padrinhos”, na busca pela plena saúde bucal.
Fazendo algo grande
Sem distinções, a dentista acompanha o desenvolvimento dos pacientes atendidos pela ONG com minúcia, não deixando escapar qualquer detalhe ou necessidade, a meta é oferecer uma ação de qualidade, para que a essência transmitida em cada encontrada, seja alardeada entre os moradores, de modo que a saúde bucal passe a ser uma prioridade.
Mesmo com tantas vidas transformadas, Nery crê que ainda não fez o máximo que poderia ter feito. “Eu não valorizava muito o que eu fazia, nunca pensei que era algo grande, depois que fui premiada achei divino, porque estou numa fase da minha vida que preciso trabalhar a minha saúde social, e eu estou buscando, eu achava que não dava meu máximo, e acabei sendo premiada como a melhor do Brasil, e eu acho que dando o meu máximo vou ser a melhor do mundo”, sintetiza.
O reconhecimento teria vindo de forma inesperada, ele apenas fortalece a base de carinho formada entre a dentista e os pacientes atendidos pela Turma do Bem, no ponto central das necessidades está a benfeitoria de mostrar os cuidados e a urgência em focar na higiene da boca desde cedo.
“Não trabalho pensando na premiação, nem sabia que ela existia, e não é só no Brasil, já estamos na América Latina e em Portugal. “Hoje nós temos que pensar no voluntariado, cada um de nós podia tentar dar o nosso máximo.
Eu atendo todas as crianças do projeto como atendo um paciente do particular, eu não conhecia a missão e todas as metas da ONG, mas agora fiquei mais ciente do meu trabalho e com certeza vou melhorar mais”, conta.
Segundo a voluntária, a educação em torno dos problemas bucais deve ser pauta de uma ação efetiva e centralizada, para que as doenças decorrentes ou agravadas pelo desleixo com essa parte do corpo sejam conhecidas por todos.
Desse modo, a população irá lutar com afinco para que os cuidados primordiais tornem-se corriqueiros, e a mensagem passada pelo seu trabalho é essa, sendo reverberada pelas crianças, jovens e principalmente pelos pais dos beneficiados.
“A saúde bucal envolve tudo, desde problemas cardíacos a parto prematuro, a percepção ainda é mínima. Falta muita informação, educação. Tem que começar o tratamento desde pequeno”, complementou.
Fim do bullying
Há três anos, Maria Jucely brincava normalmente na escola, mas ao cair não imaginava que começaria a viver um verdadeiro pesadelo para uma criança de 8 anos.
Com o dente quebrado, passou a ter como companheiro o bullying que sofria dos colegas, através de apelidos pejorativos, fazia da exclusão seu único refúgio. Triste e sem qualquer ânimo para continuar a frequentar as aulas, seu desempenho na aprendizagem caía, assim como sua autoestima.
Ao todo, foram mais de 24 meses buscando a realização de um tratamento de canal, pelo Sistema Único de Saúde, mas a luta foi em vão. Com a filha triste e escondida das relações sociais, a timidez aflorava, enquanto o mundo parecia ganhar contornos perversos.
“Chegava pedindo para eu ir à escola, pois não aguentava mais e agora não implicam mais com ela. Eu a chamava para ir à escola e ela não queria ir ou então ficava escondida na sala com a cabeça baixa no fundo da sala”, conta a dona de casa e mãe da menina, Maria Beatriz Neves.
Essas dificuldades só viriam a ser rompidas com a chegada do projeto Turma do Bem a Teresina, era a esperança que faltava para sanar de vez com os problemas enfrentados por Jucely na escola.
“Vimos no jornal o projeto e fomos responder o questionário, ficamos aguardando em casa e com um mês chegou uma carta com o local e o nome da doutora para ela ajeitar o dente, fomos recebidos muito bem, fez canal e os que estavam cariados foram cuidados”, detalha Neves.
As mudanças comportamentais já podem ser sentidas, tendo realizado o tratamento em agosto deste ano. Uma nova Jucely surge. “Ela era muito triste quando tinha o dente quebrado, depois que fez o tratamento ela mudou, ficou alegre, já sorri.
Antes ela colocava a mão na boca e agora não coloca mais e graças a Deus, deu tudo certo. Eu não tinha condição de pagar esse canal para ela, minha filha chegava triste, chorando, dizendo que estavam apelidando ela na escola e depois não, ela já se arruma mais. Na escola, ela senta na cadeira da frente”, detalhou a dona de casa.
Orgulhosa, a estudante sente o acompanhamento feito pela dentista Suzane Nery e relata que já não é mais vítima de bullying. “Estou feliz agora, pois me colocavam vários apelidos. Agora já não me perturbam mais e consigo sorrir sem ter vergonha”, definiu Maria Jucely.
Nery explica que casos como estes são comuns e vislumbra o maior agradecimento que pode ter com o trabalho voluntário. “Eu trato cada paciente como se fosse um filho.
Vale a pena, é muito gratificante devolver para uma pessoa um sorriso, pois muitas pessoas jamais teriam a oportunidade de fazer aquele tratamento. Você imagina quem não tem nenhuma condição para fazer um tratamento e, por isso, fica escondendo a boca”, finalizou.
Seleção em bairros carentes
A isonomia na escolha dos jovens e crianças agraciados pela ação é uma garantia da ONG. Uma equipe especializada seleciona os participantes, de modo que sejam contemplados aqueles que realmente precisam do atendimento odontológico.
"Em Teresina temos dois coordenadores que vão em regiões carentes e fazem uma triagem para fazer o tratamento gratuito, então fazem o exame bucal e respondem um questionário, porque eles vão dar vaga para aquelas crianças que estão realmente necessitando, vão escutar a história de cada um. Não tem qualquer beneficiamento. Recebem uma carta dizendo quais dentistas vão atendê-las e o consultório", explica a dentista Suzane Nery.
Segundo a dentista, o projeto iniciou em São Paulo, através do médico Fábio Bibancos, mas os tentáculos já se espalham pelo Brasil e pelo mundo, constatando numa iniciativa louvável que transforma a vida de milhares de pessoas.
"Eu tive a oportunidade de fazer um curso com ele e no final do curso ele mostra o trabalho social que ele faz e pergunta se agente quer participar da rede, desde então tem seis anos que eu faço parte da Turma do Bem e não penso em sair", complementou.
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