O sorriso é a porta de entrada para o mundo. Um sorriso nos lábios pode significar muito, inclusive o estado de espírito em que a pessoa se encontra. Ao cruzar com alguém cabisbaixo, logo se imagina que este está triste ou mesmo aborrecido.
No caso dos pacientes com fissuras lábio-palatais, especialmente os que já possuem noção do seu problema, a falta de sorriso, na maioria das vezes, representa baixa autoestima e é um fator determinante para o desenvolvimento destas pessoas.
De 650 nascidos no Brasil, um é fissurado. Com a alta incidência de casos e com intuito de devolver um sorriso a milhares de crianças, a dentista Lúcia Reis, especialista em cirurgia de face, realiza um trabalho social voltado para pacientes com fissuras lábio-palatais.
“É um trabalho prazeroso porque através dele atendo e devolvo o mais importante: o sorriso e a auto estima dos pacientes. Sem falar na inclusão social, que acontece, principalmente, com a solução dos problemas da fala”, afirma.
Para que sua filha, Lísia Ialane, de 1 ano, não tenha problemas com auto estima e tenha sempre um belo sorriso no rosto, Fátima Barbosa a levou quando tinha dez dias de nascida para iniciar o tratamento.
A secretária que reside em Nazária aposta na recuperação da filha que já passou pela primeira cirurgia. “Ela está recém operada, fez a primeira cirurgia dia 15 de maio, agora é continuar o tratamento e fazer de tudo para que ela não sofra nenhum tipo de preconceito”, disse a mãe.
Quando a dentista começou a atender os pacientes percebeu que a demanda era elevada e ainda que os pacientes e familiares não tinham onde ficar.
Por conta disso, criou a Associação Piauiense dos Fissurados Lábio Palatino (Funlabio), em 1991. Na época, ela se reuniu com 22 profissionais de saúde para fundarem a Associação. Depois disso, em 2004, foi inaugurada a Casa Sorriso, que abriga pacientes vindos do interior e de outros estados.
“Eu tinha vontade de ter uma casa, porque sabia da dificuldade das famílias se manterem aqui durante o tratamento, e foi através de uma reportagem que consegui a Casa Sorriso.
Eu estava dando uma entrevista e o repórter perguntou qual o meu sonho e eu disse que era ter uma casa, quando terminei a entrevista a produção do programa me informou que um padre italiano tinha me dado a casa”, lembra emocionada a presidente da Funlabio.
Com um trabalho que vai além do ambiente hospitalar, a presidente da Associação já atendeu mais de 20 mil pacientes. O tratamento clínico e cirúrgico é garantindo pelo SUS, no Hospital São Marcos.
Alguns pacientes vêm encaminhados pelos postos de saúde das cidades de origem ou de Teresina, outros chegam por conta própria, abrem um cadastro normal e começam o tratamento.
Através dos médicos e de outros pacientes que estão em atendimento, os pacientes de outras cidades do Piauí e de outros Estados ficam sabendo da Casa Sorriso e se abrigam.
Casa Sorriso já chegou a abrigar 72 pacientes de uma vez
A maioria dos atendidos é do interior e de outros Estados que fazem fronteira com o Piauí. A casa já chegou a hospedar 72 pacientes de uma vez só. Atualmente, uma média de 30 pacientes estão em atendimento no hospital São Marcos.
"Antes os pacientes não tinham condição de fazer tratamento, porque as pensões são caras e a maioria deles são pobres. Então eles vinham, faziam apenas a cirurgia do lábio e desapareciam, porque não tinham condições de voltar", lamenta a dentista.
Com consciência de que os pacientes eram prejudicados, já que a fissura lábio-palatino compromete o lábio e o palato, que é o céu da boca, Lúcia Reis se sente realizada por poder manter os atendidos durante o período do tratamento em Teresina.
"Devido ao palato ser aberto por conta da fissura, eles têm dificuldades de se comunicar, falar, comer, respirar, deglutir, e por isso é importante o tratamento completo.
Com produção e venda de peças artesanais, mães ajudam a manter a Casa
Para Lúcia Reis, alimentação, saúde, educação e autoestima são os quatro requesitos básicos que toda pessoa deve ter. Na Casa Sorriso, ela oferece todo o suporte necessário para os pacientes e familiares durante a estada em Teresina, já que o tratamento para fissurados é longo e exige várias cirurgias.
“A Casa pode ser chamada de benção de Deus. Os paciente vêm, se hospedam e não pagam nada”, comenta. A Casa Sorriso possui sala, cozinha, refeitório, biblioteca e sete dormitórios.
Além disso, os familiares produzem peças artesanais para arrecadar fundos para a instituição e recebem 20% do valor comercializado. “É uma forma de oferecer a essas famílias mais uma ajuda de custo, já que muitas mães largam seus empregos para acompanhar os filhos durante o tratamento.
Para confecção dos produtos, Lúcia Reis compra o material, as mães produzem e vendem em feiras no hall do hospital. “Este trabalho é muito importante porque dou 20% para quem vende os produtos e ainda é uma maneira de ajudar na manutenção da casa”, completa Lúcia ao frisar que, uma vez ou outra, aparecem voluntários que doam cestas básicas.
Tratamento é indeterminado e complexo
As fissuras lábio-palatais são malformações congênitas exteriorizadas pela ruptura da integridade do lábio e/ou palato (céu da boca), acarretando, frequentemente, alterações na face, no rebordo alveolar, no arco dentário e na oclusão.
Os problemas relacionados aos pacientes portadores de fissura de lábio e/ou palato são variados e envolvem a fala, a audição, a nutrição e aspectos psicológicos, geralmente.
Em cerca de 30 a 40% dos pacientes, a doença está relacionada com a genética, ou seja, o bebê tem uma herança familiar. Mas na maioria dos casos não existe esta situação familiar e a ciência procura as causas possíveis que acontecem durante a gravidez, que são chamadas de causas ambientais, como estresse, fumo, álcool, idade, uso de drogas, etc.
De 650 nascidos no Brasil um é fissurado. A dentista Lúcia Reis afirma que recebe, no mínimo, dois a três pacientes novos por dia. Segundo ela, cada paciente é um paciente. O lábio pode ser reparado nos primeiros meses de vida.
As cirurgias básicas são três nas fissuras simples, mas existem pacientes que precisam fazer 14 cirurgias, no mínimo, porque envolve a parte do lábio, dos dentes, do palato, o nariz e, muitas vezes, a face toda.
"É preciso ir corrigindo aos poucos. A gente começa a tratar desde a hora do nascimento. A primeira cirurgia é aos três meses de idade, a segunda com um ano e seis meses, e de acordo com a necessidade e a idade, a gente vai operando", explica a dentista ao ressaltar que o tratamento dos pacientes é indeterminado, complexo e necessita de uma equipe multidisciplinar.
"São muitos profissionais envolvidos e graças a Deus o SUS cobre, porque eles não conseguiriam custear esse tratamento", acrescenta Lúcia Reis.
Larissa Rodrigues Trindade, aos 8 meses de vida, é do município de Santa Luz, sul do Piauí.
Toda semana, seu pai, Valcimar Pereira Trindade, vem a Teresina para realizar dar continuidade ao seu tratamento. Ele conta que não sabe a causa da doença, mas luta pela saúde da filha.
"Temos muita esperança que ela fique bem, porque priorizamos a saúde dela. Mesmo com as dificuldades, estamos aqui toda semana", conta o lavrador de 30 anos.
Além do tratamento cirúrgico, existe também o clínico, onde os pacientes são examinados e é verificado a necessidade deles naquele momento. Um exemplo disso é a alimentação.
Pacientes que não conseguem se alimentar são examinados e recebem uma placa, que é chamada obturador palatino, que dá condições a criança de se alimentar.
"Hoje, todas as maternidades de Teresina, no momento em que a criança nasce com fissuras lábio-palatais me encaminham, para que eu possa dar condições para ela se alimenta e respirar. Em casos que elas não podem sair da maternidade, vou até elas", finaliza a presidente da Associação.
Fotos: José Alves Filho