Com crise, Europa vive onda de exploração de estagiários, diz OIT

OIT e Comissão Europeia alertam para a fragilidade das relações trabalhistas.

Pilar Garrido, 43 anos, desempregada há três anos, fez um estágio não remunerado na área em que trabalhou a vida inteira. | G1
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As altas taxas de desemprego entre os jovens e o uso inadequado de estagiários como fonte de mão de obra barata têm crescido na Europa, sobretudo nos países mais afetados pela crise. O alerta é da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Comissão Europeia.

Apesar de não haver estatísticas sobre estágios nos países do bloco europeu, estudos recentes conduzidos pela Comissão Europeia confirmam indícios de que aumentou o número de estágios de má qualidade, com baixa ou nenhuma remuneração, especialmente em países com altas taxas de desemprego, como a Espanha.

"Isso sugere que a crise econômica tem um efeito sobre o número e a qualidade do aprendizado nos estágios", disse à BBC Brasil o porta-voz da Comissão Europeia na Catalunha (Espanha), Albert Royo Mariné.

A espanhola Pilar Garrido, de 43 anos, não tem o perfil típico do estagiário universitário ou recém-formado. Mas, desempregada há três anos, ela acaba de fazer um estágio não remunerado como auxiliar administrativa, área em que atuou durante mais de duas décadas.

Para continuar recebendo a ajuda que o governo espanhol concede a desempregados de longa duração, Pilar faz cursos de formação e estágios de reintegração ao mercado de trabalho. "Curiosamente, minha função era ajudar outras pessoas a encontrar emprego. Eu fazia o mesmo que meus colegas que têm contrato de trabalho", disse.

O curso de formação foi de quase um ano e o estágio, de apenas um mês. Mas Pilar conta que foi uma jornada intensa e ela se sentia mal por, na sua idade e já com experiência profissional na área, voltar a ser estagiária. A jornada de trabalho, das 9h às 15h, dava direito a apenas 5 minutos para tomar um café, e ela não recebia auxílio-transporte.

Abalada pelos anos de desemprego, Pilar contou que faz uso de medicação para controlar a ansiedade. "Mas continuarei me capacitando e fazendo os estágios que puder até ser contratada", afirmou.

Regras claras

O bloco europeu recomenda aos países que apliquem um acordo obrigatório de estágios, com conteúdo bem definido, regras claras e duração limitada.

Mas, de modo geral, os estágios não costumam ter ampla proteção jurídica. Na Espanha, por exemplo, uma reforma trabalhista em 2011 tirou dos estagiários de empresas o direito de ter acesso à Previdência Social - direito que eles haviam conquistado apenas dois meses antes.

Essa mudança levou à queda brusca do número de estagiários cadastrados na Previdência Social, de 41.135 em novembro de 2011 para 25.674 em maio passado.

Isso não significa que, na prática, o número absoluto de estagiários tenha caído, mas sim que eles estão menos protegidos, explicou Maria Marín Franconetti, secretária da Confederação Sindical de Comissões Trabalhistas (CCOO) na Catalunha.

Sem proteção legal, os estagiários ficam mais vulneráveis à exploração, e muitas empresas deixam de fazer distinção entre as funções do estagiário e a dos profissionais qualificados. "Se uma empresa utiliza trabalhadores em estágios fora de sua área de formação, isso é fraude", afirmou Marín.

Estágios para desempregados

Para Santiago González Vallejo, economista da entidade Ação Sindical Internacional da Confederação União Sindical Trabalhista (USO), apesar dos avanços nos convênios entre empresas e institutos de formação, ainda há lacunas importantes a serem preenchidas na Espanha.

"Em muitos casos, os estagiários não se formam, apenas fazem atividades repetitivas e auxiliares. Não há um controle de qualidade dessas práticas", afirmou González.

Imersos em um contexto de desemprego juvenil de 53,28%, muitos jovens espanhóis veem o estágio como uma oportunidade de ingressar no mercado de trabalho. "Mas eles (autoridades) fecham os olhos diante de descumprimentos dos convênios, e a situação contratual do estagiário é de total dependência", criticou.

José Callejas, advogado do gabinete técnico da União Geral de Trabalhadores (UGT), reclama da falta de registros oficiais dos tipos de estágios.

Ele lembra que o fato de um estagiário, assim como o voluntário ou o trabalhador autônomo, ter obrigações e horários a cumprir configura relação laboral. Nesse caso, a falta de cadastro na Previdência Social seria um indício de fraude.

Segundo Callejas, para mudar esse quadro é preciso aplicar três medidas: registrar contratos ou acordos, dar maiores garantias aos estagiários e fiscalizar mais intensamente as empresas.

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