O Escritório de Investigações e Análises da aviação francesa (BEA) e o governo da França já alertaram as famílias das vítimas do voo AF 447 sobre a hipótese dos corpos não poderem ser resgatados. "Eles diminuíram as esperanças de que a operação de resgate aconteça. No início, diziam que era certo que os corpos seriam resgatados, e agora o discurso é outro", relatou Robert Soulas, membro da associação francesa de familiares. "Explicaram que a operação seria muito difícil, delicada, e que a possibilidade de os corpos se degradarem durante o transporte até a superfície é alta", disse.
Ele ainda falou que há uma forte divisão entre as famílias que desejam o resgate e as que preferem que as vítimas permaneçam onde estão, como é o caso dele próprio. Do lado brasileiro, o presidente da Associação das Vítimas do Voo AF 447, Nelson Marinho, avalia que se os corpos não forem retirados do mar, os familiares vão passar "um novo golpe de sofrimento".
"Eles têm os meios de fazer isso, e se não fizerem, vão provocar ainda mais sofrimento às famílias e ainda mais revolta", disse Marinho. Ele contou que, em reunião na segunda-feira, os responsáveis pelo caso não explicaram se há uma estratégia específica de resgate para os corpos. "Desde o início, eles sempre nos deram muito poucos detalhes sobre o que estão fazendo. Agora, continua assim, e eu fico sabendo das coisas ou de última hora ou pela imprensa", criticou.
Na segunda-feira, após a reunião com os representantes das famílias das vítimas em Paris, o secretário de Estado francês dos Transportes, Thierry Mariani, declarou que a prioridade das buscas é achar as caixas-pretas. "Serão feitas tentativas para içar os corpos das vítimas a fim de responder às obrigações da investigação judiciária. Se for possível trazê-los, eles serão identificados na França e entregues às suas famílias", afirmou em comunicado.
No próximo dia 21, o navio Ile-d-Sein, equipado por um submarino americano Phoenix, vai partir do Cabo Verde em direção ao local do acidente para realizar a operação de resgate dos destroços. A operação deve ser concluída até junho, quando a embarcação se dirigirá diretamente para a França.
Degradação
O risco de degradação dos corpos, que se encontram junto aos destroços do avião no fundo do oceano Atlântico, poderia resultar na decisão do governo francês de não trazê-los à superfície. O assunto tem sido evitado tanto pelo responsável pelas investigações, o BEA, quanto pelo ministério dos Transportes da França, que coordena a operação de resgate dos restos do Airbus A330. Ambos afirmam que a prioridade é elucidar as causas do acidente, e não resgatar corpos.
Quase dois anos após a tragédia, um número não especificado de corpos de vítimas foi localizado junto à carcaça do avião, acidentado na noite de 31 de maio de 2009 enquanto fazia o trajeto Rio de Janeiro-Paris. Eles seriam "vários", como informou o diretor das investigações do caso, Alain Bouillard, durante coletiva de imprensa realizada em Paris em 4 de abril, um dia após a descoberta dos destroços. Uma fonte ligada às investigações informou ao jornal Le Figaro que, através das fotos registradas pelo robô que realiza as buscas submarinas, muitos dos corpos aparentavam estar em bom estado de conservação, graças à baixa temperatura e ao fato de que, a 3,9 mil m de profundidade, a quase inexistência de oxigênio retardaria o processo de decomposição dos restos mortais. As fotos dos corpos não foram divulgadas pelas autoridades francesas.
Serge Didier, médico legista do Instituto Médico Legal de Paris, explicou ao Terra que a operação de transporte das vítimas à superfície vai ocasionar "muito provavelmente" danos aos corpos. "Antes de mais nada, vai ser uma operação realizada por robôs, não por humanos. Um robô já não teria o mesmo cuidado que uma pessoa para manipular os corpos", disse. "E assim que esses corpos começarem a subir, vai diminuir a pressão, aumentar o oxigênio e se iniciar um procedimento de degradação que pode ser muito rápido. Em alguns minutos, tudo, à exceção dos ossos, poderá ser perdido." O especialista explicou, entretanto, que qualquer material genético que for resgatado é identificável através de exames de DNA.
O acidente
O avião da Air France saiu do Rio de Janeiro com 228 pessoas a bordo no dia 31 de maio de 2009, às 19h (horário de Brasília), e deveria chegar ao aeroporto Roissy - Charles de Gaulle de Paris no dia 1º às 11h10 locais (6h10 de Brasília). Às 22h33 (horário de Brasília) o voo fez o último contato via rádio com o Centro de Controle de Área Atlântico (Cindacta III). O comandante informou que, às 23h20, ingressaria no espaço aéreo de Dakar, no Senegal. Às 22h48 (horário de Brasília) a aeronave saiu da cobertura radar do Cindacta.
A Air France informou que o Airbus entrou em uma zona de tempestade às 2h GMT (23h de Brasília) e enviou uma mensagem automática de falha no circuito elétrico às 2h14 GMT (23h14 de Brasília). Depois disso, não houve mais qualquer tipo de contato. Os fragmentos dos destroços foram encontrados cerca de uma semana depois no meio do oceano pelas equipes de busca brasileiras. Mas as caixas-pretas, assim como a maior parte da aeronave, não haviam sido localizadas. Das 228 vítimas, foram resgatados apenas 50 corpos.
Dados preliminares das investigações feitas pelas autoridades francesas revelaram que falhas dos sensores de velocidade da aeronave, conhecidos como sondas Pitot, parecem ter fornecido leituras inconsistentes e podem ter interrompido outros sistemas do avião. As sondas permitem ao piloto controlar a velocidade da aeronave, um elemento crucial para o equilíbrio do voo. Mas investigadores deixaram claro que esse seria apenas um elemento entre outros envolvidos na tragédia. Em julho de 2009, a fabricante anunciou que recomendou às companhias aéreas que trocassem pelo menos dois dos três sensores - até então feitos pela francesa Thales - por equipamentos fabricados pela americana Goodrich. Na época da troca, a Thales não quis se manifestar.