Pelosi, a mais importante representante política dos EUA a visitar a ilha em 25 anos, desembarcou em Taiwan na terça-feira (02) e partiu um dia depois, após se encontrar com lideranças locais na capital, Taipei. Com informações da BBC Brasil.
A visita, que faz parte de uma turnê mais ampla pela Ásia, provocou a fúria de Pequim, que afirmou ser contra a presença da congressista na ilha.
Em resposta à viagem, o governo chinês anunciou a realização do que chamou de exercícios militares "necessários e justos" em águas localizadas a cerca de 16 quilômetros de Taiwan.
Os exercícios - que começarão na quinta-feira e durarão cinco dias - ocorrerão em algumas das vias navegáveis mais movimentadas do mundo e incluirão "disparos com munição real de longo alcance".
O Ministério da Defesa da China admitiu que alguns exercícios podem invadir as águas territoriais de Taiwan. Nos últimos dias, aviões de guerra chineses avançaram até a linha mediana, a divisão não oficial que separa a China e Taiwan nas águas entre eles.
Acusando os EUA de "violar a soberania da China sob o pretexto da chamada democracia", o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, disse que a viagem era como "brincar com fogo" e "aqueles que brincam com fogo perecerão por ele". A presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, afirmou que o país enfrenta "ameaças militares deliberadamente intensificadas".
Mas, afinal, os EUA e a China estão perto de um conflito militar?
Taiwan, que se considera uma nação soberana, é historicamente reivindicada pela China. Já a China a considera uma Província "rebelde".
Ao mesmo tempo, a ilha tem nos EUA seu maior aliado. Uma lei americana, inclusive, determina que Washington deve ajudar Taiwan a se defender em caso de ataque estrangeiro.
A escalada na tensão entre Pequim e Washington ocorre ainda em um momento em que a China envia cada vez mais aviões de guerra para a zona de defesa aérea de Taiwan, enquanto os EUA deslocam navios de guerra para as águas da ilha.
Reação feroz de Pequim
A visita de Pelosi provocou as reações mais ferozes e agressivas da China em relação a Taiwan em algum tempo. Além dos exercícios militares, na terça-feira o governo da China convocou o embaixador dos EUA, Nicholas Burns, e fez um "forte protesto" contra a viagem, segundo a agência de notícias chinesa Xinhua.
Ainda de acordo com a agência, o vice-ministro Xie Feng afirmou no encontro que os EUA "pagarão o preço por seus próprios erros", que as consequências "serão extremamente sérias" e que Washington deveria "tomar medidas práticas para desfazer os efeitos adversos causados pela visita de Pelosi a Taiwan".
Pequim ainda anunciou a suspensão de importações vindas de Taiwan, abrangendo produtos como biscoitos, doces, peixes e frutas cítricas.
Executivos de quatro empresas taiwanesas serão proibidos de entrar na China continental e o governo chinês informou que outras medidas poderão ser adotadas, se necessário.
Opiniões distintas nos EUA
Ao mesmo tempo em que não foi bem recebida pela China, a visita de Pelosi dividiu opiniões mesmo dentro dos EUA. A viagem não foi vista com bons olhos pelo presidente Joe Biden, que afirmou que militares americanos sentiram que a visita "não era uma boa ideia no momento", em meio às tensões crescentes entre os dois países.
Alguns analistas especularam que a visita poderia, inclusive, levar a China a fornecer armas à Rússia para uso na Ucrânia - algo que até agora o país se recusou a fazer. Mas Pelosi recebeu apoio de alguns setores inesperados em seu país e 26 senadores republicanos escreveram uma carta em apoio à visita.
A carta, cujos signatários incluem o líder da minoria no Senado, Mitch McConnell, dizia que "durante décadas, membros do Congresso dos Estados Unidos, incluindo ex-presidentes da Câmara, viajaram para Taiwan".
A viagem, acrescentou, foi "consistente com a política de 'Uma Só China' dos Estados Unidos, com a qual estamos comprometidos". Os EUA andam por uma corda bamba diplomática com sua política para Taiwan. Por um lado, seguem o princípio da "Uma Só China", que reconhece apenas um governo chinês e cria laços formais com Pequim, não com Taiwan.
Por outro, mantém uma relação "não oficial robusta" com a ilha, que inclui a venda de armas para a defesa de Taiwan.
Tensões maiores
Um grande temor é que uma guerra comece com a China invadindo Taiwan. O governo de Pequim disse no passado que pode retomar o controle da ilha à força, caso seja necessário. Mas a maioria dos analistas diz que isso não é provável — pelo menos por enquanto.
Existe um debate entre especialistas sobre se a China tem capacidade militar para conseguir tomar Taiwan. A ilha tem aumentado consideravelmente suas defesas aéreas e marítimas.
Mas muitos concordam que até mesmo Pequim reconhece que essa medida seria cara e desastrosa, não apenas para a China, mas também para o restante do mundo.
"Há muita retórica, mas os chineses precisam ter muito cuidado se quiserem invadir Taiwan, especialmente neste momento da crise da Ucrânia. A economia chinesa está muito mais interconectada com a economia global do que a da Rússia", afirmou William Choong, do Instituto de Estudos do Sudeste Asiático, um instituto de pesquisas ligado ao governo de Singapura, em uma entrevista concedida à BBC News antes da visita de Pelosi.
A China tem consistentemente dito que busca "reunificação pacífica" com Taiwan e que só agiria caso enfrentasse uma grande provocação.
Um exemplo do que a China pode considerar como provocação seria Taiwan declarar formalmente a sua independência. Mas isso é algo que a presidente Tsai Ing-wen evita com bastante ênfase. Na visão dela, Taiwan já é um Estado soberano.
A maioria dos taiwaneses apoia essa posição — conhecida como "mantendo o status quo" — embora haja quem queira avançar rumo à independência. Da mesma forma, os EUA estariam relutantes em se envolver em um conflito militar caro na Ásia e repetidamente sinalizaram que não querem a guerra.
O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, afirmou em um discurso durante o Diálogo Shangri-la — uma cúpula de segurança asiática realizada em Singapura em junho — que os EUA não apoiam a independência de Taiwan, nem querem "uma nova Guerra Fria".
"Ambos os lados mantêm suas posições sobre Taiwan. Eles (EUA e China) precisam parecer fortes e não querem ser vistos como se estivessem recuando", diz Collin Koh, pesquisador da Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais, em Singapura.
"Mas, ao mesmo tempo, eles estão muito cuidadosos sobre entrar em um conflito direto. Estão olhando para a retórica um do outro com olhos bem abertos, e ambos os lados estão tentando medir o risco."
Um encontro entre o ministro da Defesa da China, general Wei Fenghe, e Austin no Diálogo Shangri-la foi visto como um sinal positivo, mostrando que ambos os lados querem mostrar que "ainda estão dispostos a sentar e conversar, chegar a um consenso, e que 'concordam em discordar'", assinala Koh.
Isso, disse o pesquisador, reduziria a possibilidade de erros de cálculo que resultariam em um conflito e a um "revigoramento geral do diálogo" — algo que estava faltando no governo de Donald Trump (2017-2021). Apesar disso, analistas acreditam que China e EUA continuarão com tensa retórica no futuro próximo.
A China pode até intensificar sua "guerra de sombras" projetada para desgastar as forças militares e a paciência de Taiwan, enviando mais aviões de guerra e criando campanhas de desinformação, disse Ian Chong, especialista em China da Universidade Nacional de Singapura, em entrevista concedida em junho.
No passado, Taiwan acusou a China de criar campanhas de desinformação antes das eleições na ilha. Taiwan realizará importantes eleições no final do ano.
Pelo menos para os EUA e a China, "não há vontade política de mudar de posição" por enquanto, particularmente com eventos significativos no horizonte — as eleições de meio de mandato dos EUA em novembro e o 20º Congresso do Partido Comunista da China na segunda metade do ano, em que se espera que o presidente chinês, Xi Jinping, consolide ainda mais seu poder.
"O lado bom é que nenhuma das partes está disposta a aumentar as tensões", diz Chong. "Mas a não escalada não significa que chegaremos a um patamar melhor. Portanto, estamos todos presos nessa posição por um tempo."
Por que a China não invade Taiwan?
Provavelmente, só o presidente chinês, Xi Jinping, pode responder de forma definitiva. Mas, segundo analistas, entre os principais motivos estão a possibilidade de retaliação dos Estados Unidos, as sanções que Pequim sofreria - em um momento em que sua economia perde fôlego - e a liderança mundial de Taiwan na fabricação de chips (e a dependência da China desses componentes).
Entre as razões econômicas para a China pensar duas vezes - apesar do seu poder militar bem superior ao de Taiwan - estão as sanções globais e o chamado "escudo de silício".
O termo se refere à liderança mundial da ilha na fabricação de chips (feitos com silício). Sem eles e com as prováveis sanções, a economia chinesa - que deve ter o menor crescimento em 30 anos - seria muito abalada.