O major Eduardo Bordeaux Mattos, de 38 anos, oficial do Exército brasileiro, foi convocado em maio desse ano para chefiar uma equipe da Organização das Nações Unidas (ONU) na Síria. A missão era monitorar o conflito nas ruas de Aleppo, cidade mais disputadas entre as forças rebeldes e as tropas fiéis ao governo do presidente Bashar al-Assad.
Em meio aos intensos confrontos, Mattos foi alvo de tiros e viu corpos decapitados. O militar voltou ao Brasil, na última sexta-feira (17), depois que o trabalho da ONU foi encerrado pelo Conselho de Segurança, devido ao fracasso em conter a violência na região.
"Fomos cercados e alvo de tiros várias vezes. Durante protestos, milhares de pessoas tentaram virar os veículos blindados da ONU, que pesam mais de cinco toneladas. Em certa ocasião, uma granada foi colocada sobre o vidro e explodiu o carro. Por sorte, conseguimos sair a tempo e ninguém ficou ferido", diz Mattos, em entrevista.
Apesar dos ataques, o oficial brasileiro e os demais monitores da ONU não puderam usar armas para se defender. Não portar armamentos foi uma das exigências do governo sírio e de outros países para o envio da missão de observadores, em maio deste ano, quando os dois lados do conflito concordaram em negociar um fim para a guerra civil no país.
A atuação da imprensa na região é limitada. Apesar de não haver números oficiais, a oposição síria diz que o conflito já deixou mais de 24 mil mortos, a maioria composta de civis. O conflito, iniciado em março de 2011 depois que o governo reprimiu violentamente protestos por mais democracia no país, já chegou à capital Damasco (veja o infográfico no fim da reportagem).
Além do major, outros 10 oficiais das Forças Armadas brasileiras foram enviados à Síria. Todos retornaram ao Brasil na última semana. "A situação é muito complicada. Qualquer um dos lados que decidir entrar com mão pesada para tentar vencer vai matar muita gente. Se o Ocidente der apoio à oposição, os combates irão aumentar e quem vai sofrer é a população. O mesmo ocorrerá do outro lado, se Assad mandar bombardear comunidades habitadas", diz Mattos.
O militar, que está de volta ao trabalho na Brigada de Infantaria de Selva, em Boa Vista (RR), onde atuava antes da convocação, fala que ?o povo sírio diz não apoiar nenhum dos lados" do conflito. "Eles afirmam que só querem que tudo volte à normalidade, desejam a paz para o país", relata.
Segundo o major, antes de cada patrulha, o time da ONU fazia contatos com ambos os lados, informando previamente itinerários, para evitar emboscadas. E, em alguns casos, recebeu alerta de que o acesso não seria permitido ou que era "arriscado" entrar em alguma área.
"Nossa missão era relatar abusos dos dois lados. E não interferir no que ocorria. Tínhamos acesso a áreas dos rebeldes e do governo, ouvíamos a população e os combatentes dos dois lados. Se havia abuso, detenções arbitrárias, excessos contra a população, relatávamos. Nossa função não era imparcial, mas neutra", diz. "E, no início (da missão), os dois lados respeitavam isso".
"A oposição é fragmentada e isso dificultava as conversas. Eles afirmavam sempre que não queriam papo, que não queriam negociar, que a única saída que buscam é a saída do Assad", afirma o major, citando conversas com rebeldes.
Sem pânico
O oficial brasileiro relata momentos tensos vividos durante os protestos e diz que é importante manter o controle mesmo nas situações mais difíceis. "A blindagem [do carro da ONU] segura até disparo de fuzil de calibre 7.62 mm. Mas quando você é alvejado, não sabe se o tiro passou, se o pneu furou, se tem condições de seguir. Você não pode entrar em pânico", afirma Mattos.
Ele diz que se perguntava "o que posso fazer para sair daqui o mais rápido possível?" durante os ataques. "Cheguei a ver pessoas, supostamente rebeldes, atirando em nosso comboio durante uma patrulha. Os tiros, tanto na área da oposição quanto na do governo, eram sempre direcionados aos veículos da ONU. Nenhum observador foi alvo quando estava fora do carro", recorda.
Quando vítimas eram encontradas mortas nas ruas, era difícil para a equipe verificar se os corpos eram de inocentes ou de combatentes. "Uma vez, encontramos cinco homens degolados, e a oposição disse que eram policiais. Mas não havia como confirmar a informação", exemplifica.