O terremoto que devastou o Haiti espalha também o medo de que espíritos devoradores de crianças, figuras mitológicas entranhadas na cultura local, estejam rondando acampamentos de refugiados em busca de jovens presas.
O "loup-garou", literalmente "homem-lobo", é semelhante às lendas de lobisomens em outras partes do mundo, mas no folclore haitiano trata-se de uma pessoa possuída por um espírito, capaz de virar cão, gato, galinha, cobra ou outro animal para sugar o sangue de bebês e crianças.
Os haitianos sempre temeram os "loup-garous", agora ainda mais depois do violento terremoto do dia 12, que matou até 200 mil pessoas e forçou outras centenas de milhares a dormirem ao relento, nas ruas ou em acampamentos improvisados.
Algumas pessoas acusadas de serem "loup-garous" aparentemente foram linchadas desde o terremoto, inclusive um homem assassinado por desabrigados no acampamento de La Grotte, num morro quase inacessível na periferia da capital.
"Depois do terremoto, o "loup-garou" fugiu da prisão. Ele se gabava de que estava na prisão porque foi flagrado comendo crianças (...). Durante a noite ele entrava nas tendas e tentava tirar o filho dos outros", disse a refugiada Michaelle Casseus.
Em outro acampamento, moradores contaram que surraram um homem até quase a morte depois que ele tentou sequestrar um bebê durante a noite. Patrulhas noturnas foram criadas para deter esses supostos espíritos.
"O "loup-garou" está se aproveitando do terremoto para comer as crianças", disse Milot Bazelais, funcionário público que ficou desabrigado no terremoto e também trabalha em uma ONG que ajuda crianças do bairro. Ele ouviu dizer que uma patrulha matou uma mulher possuída antes que ela conseguisse mudar de forma.
A maioria dos 9 milhões de haitianos é católica, mas muitas pessoas também praticam o vodu, uma religião com origens africanas.
A crença nos "loup-garous" independe da afiliação religiosa, mas é mais forte entre os mais pobres - que são maioria neste que é o país mais miserável das Américas.
Sylvain Lafalaisse, secretário de Finanças Estatais do governo, disse que o medo é maior em épocas de desarticulação social.
"As pessoas falam nos "loup-garous" para dar nome aos seus medos, mas são ladrões de crianças (...), não espíritos malignos".