Histórias de caridade e adoção sempre são relatadas ao redor do mundo.
Porém, dessa vez, o cenário é completamente inusitado. Uma mulher chilena adota bebês encontrados mortos para que possa dar uma sepultamento digna a eles.
Tudo começou há 12 anos, quando Bernarda Gallardo leu uma história em um jornal local sobre um bebê abandonado, que havia sido morto e jogado no lixo em Puerto Montt. Bernarda, que estava em processo de adotar uma criança na época, ficou horrorizada com o relato. Ela percebeu que o bebê poderia ter vivido e chegado a ela para ser adotado. Então, ela decidiu fazer algo.
"Se você receber um bebê que está vivo, você irá vesti-lo, alimentá-lo e colocá-lo em um berço. Se o bebê chega morto, você tem que ter um caixão e dar-lhe um enterro digno”, explicou.
Mesmo antes que ela pudesse obter uma cova para o bebê, ela já havia chamado a criança de 'Aurora', em homenagem à deusa romana do amanhecer - porque ela acreditava que o bebê trouxe luz para a escuridão. Então, ela começou o processo burocrático longo e árduo de se apoderar do bebê. No Chile, a lei estabelece que se um corpo não é reivindicado por um membro da família, é classificado como “restos humanos”, sendo eliminado juntamente com outros resíduos cirúrgicos.
Bernarda tinha que agir rapidamente para impedir que isso acontecesse para Aurora, e ela conseguiu. Os médicos examinaram o corpo do bebê para determinar que a criança estava realmente viva após o nascimento e, só após um tempo, faleceu. Ela teve de adotar Aurora formalmente, em um complicado processo legal. O juiz encarregado do caso estava cético - ele pensou que Bernarda poderia ser a mãe biológica de Aurora, e só queria o bebê, porque ela estava se sentindo culpada pelo assassinato.
Mas Bernarda conseguiu convencer o juiz de suas intenções e a adoção foi concedida. Foi a primeira vez no Chile, e talvez também no mundo, que alguém tenha adotado uma criança morta. Muitos meses depois de ter iniciado o processo, Bernarda finalmente teve a permissão para sepultar o corpo de Aurora.
O funeral virou um assunto público, e, surpreendentemente, teve a participação de 500 pessoas, incluindo crianças, médicos, enfermeiros, repórteres locais, o próprio juiz, e as pessoas que estavam seguindo o progresso da história pelos jornais locais.
No dia seguinte, houve notícias de um outro corpo encontrado. Desta vez, um menino. Bernarda ficou novamente devastada, e recomeçou o processo. Nomeado por ela de Manuel, ele também ganhou um funeral. Ela passou a fazer o mesmo por mais dois bebês - Victor e Cristobal - e está atualmente em processo de adotar outra menina, chamada Margarita.
Com o tempo, percebeu que muitas mulheres com gravidez indesejada ou mulheres que são muito pobres, acabam abandonando seus bebês. De fato, as estatísticas oficiais no Chile mostram que cerca de 10 desses bebês são encontrados a cada ano, mas o número real é muito maior.
"Muitas das mulheres são jovens, geralmente vítimas de estupro e incesto”, disse ela. "Os estupradores são, muitas vezes, membros da própria família”.
Por já ter sido vítima de estupro, Bernarda é capaz de se relacionar com essas mulheres. Ela deu à luz a uma menina, aos 17 anos, logo depois que ela foi violentada, mas foi capaz de manter e criar sua filha. "Depois que eu fui estuprada, eu tive sorte o suficiente de ser capaz de seguir em frente, por causa do apoio que recebi de meus amigos. Mas se eu estivesse sozinha, talvez eu tivesse feito bobagens", admitiu.
Então, Bernarda decidiu aceitar a missão de educar o seu povo sobre o assunto. Ela começou colando cartazes nas paredes, declarando: "Não jogue seus bebês no lixo".
“Por que deixar seu bebê para morrer enquanto existem, em média, quatro famílias esperando para adotar uma criança rejeitada”, questionou. “Em vez de matá-los, é preciso leva-los para adoção!”.
A única missão de Bernarda é dar a estes bebês mortos a sua dignidade, "para que eles tenham um lugar para descansar em paz”, disse ela. Inspirado por sua história original, o cineasta chileno, Rodrigo Sepúlveda, fez um filme intitulado Aurora, que está sendo exibido em festivais de cinema ao redor o mundo.
Enquanto isso, Bernarda costuma visitar as sepulturas dos filhos que ela tem enterrado, e se emociona ao perceber que, às vezes, outras pessoas já visitaram e deixaram flores.