Além de ter chocado o país, a prisão do homem que vendeu o neto recém-nascido pelo Facebook esconde uma realidade mais assustadora. À sombra do bem-sucedido desfecho do caso do bebê de Punjab ? a polícia agiu, o caso foi descoberto e o crime interrompido ?, em média dez crianças desaparecem a cada hora na Índia. Das milhares de ocorrências registradas todos os anos, poucas são investigadas e mais raras são as crianças encontradas. Se a família que prestou queixa for moradora de alguma favela indiana, então, ainda menos chances tem de que a polícia tome alguma atitude.
Com a ajuda de dois funcionários da maternidade onde ocorreu o parto, o avô Feroz Khan fez um acordo com um executivo da capital Nova Déli, que concordou em desembolsar 830 dólares após ver fotos do bebê pelo Facebook. Enquanto a filha (mãe da criança) dormia, Khan raptou o neto do hospital e o levou até o comprador. Mais tarde, contou à mãe que a criança havia morrido; ela não acreditou, acionou a polícia e o bebê foi localizado.
Mas, por trás do caso ? cuja transação havia sido selada por meio da rede social ?, existe uma verdade incômoda: a compra e venda de crianças é um fenômeno extremamente comum na Índia. ?Os números são estarrecedores?, conta o advogado Bhuwan Ribhu, que trabalha para a ONG Save the Childhood Movement, instituição sem fins lucrativos que luta contra o tráfico e a exploração de jovens.
Das 90 mil crianças desaparecidas em 2011, 35 mil continuam sem paradeiro definido ? embora a polícia alegue que muitos casos sejam de crianças que fogem de casa e cujo retorno não é comunicado. Deste montante, mais de 15 mil casos sequer chegaram a ser investigados.
De acordo com o sit GlobalPost, ao visitar os lares das famílias com filhos desaparecidos, fica muito claro que o status econômico influencia diretamente o tratamento dado pelas autoridades.
Nas favelas indianas, as circunstâncias dos desaparecimentos são frequentemente tratadas como apenas mais uma criança fujona. Em muitos casos, há também a suspeita do envolvimento de membros da própria família na trama ? a exemplo do caso da venda via Facebook.
?Na maioria das vezes, lidamos com ocorrências em que pais e parentes são enganados por propostas que prometem um emprego e uma vida melhor, mas depois desaparecem com as crianças?, relata o advogado Ribhu.
Pressionado para tomar uma atitude, o governo indiano aprovou uma lei há alguns meses que endurece a proibição contra todas as formas de tráfico humano ? mazela social que tem sido tema da telenovela Salve Jorge, da TV Globo.
Enquanto o efeito da legislação não é sentido na prática, a população continua a testemunhar roubos de crianças que não tiveram a mesma sorte do bebê-Facebook.
Apenas alguns dias antes, a capital Nova Déli foi palco de protestos maciços de pessoas enfurecidas com a atuação da polícia no caso da menina de 5 anos de idade, vítima de estupro. Autoridades ofereceram propina ao pai da criança, para que ele não revelasse que a polícia inicialmente se recusou a investigar o desaparecimento. O atraso nas diligências ? que parecer ser a norma da conduta policial indiana ? fez com que a criança violentada fosse encontrada, somente 40 horas depois, em um apartamento no mesmo prédio onde a família vive, apenas a alguns andares de distância.