A queda dos valores do peso na Argentina traz pelo menos um aspecto positivo ao país, afundado em uma crise econômica: o aquecimento do turismo.
Com um real equivalente a 27 pesos argentinos, os preços têm atraído brasileiros ao território vizinho.
A cotação no famoso mercado de "câmbio paralelo" no país é ainda melhor, onde um real pode ser trocado por 57 pesos. A avaliação entre turistas e especialistas entrevistados é unânime: ir à Argentina está bem barato.
“Troquei R$ 750 com um app de câmbio, consegui ficar 8 dias e voltei com pesos ainda”, diz a fotógrafa Amanda Thozeski, que voltou recentemente de viagem.
Ela usou uma plataforma que permite transferir dinheiro ao exterior, onde retornou o valor pela cotação do "câmbio paralelo".
“O peso argentino desvalorizou quase 70% nos últimos dois anos em relação ao real. Então, naturalmente, o brasileiro tem um poder de compra maior”, explica Hugo Garbe, professor do Mackenzie e economista-chefe da G11 Finance.
O que diz quem foi
Viajantes dizem terem notado diferenças enormes em relação a outros países vizinhos. “Realmente as coisas lá estão muito baratas para nós, brasileiros. No Uruguai é tudo mais caro”, relata o pesquisador Paulo Goetze, que depois da sua estadia passou por três cidades do país ao lado.
A empresária e blogueira de viagens Kelly Couto teve a mesma sensação ao viajar pelo Chile. “É gigantesca mesmo a questão do câmbio. (...) [Na Argentina] em quatro dias eu gastei 100 dólares. 100 dólares no Chile eu não gastava nem por dia”, completa.
Nesse cenário, os turistas citam alguns exemplos de compras baratas que fizeram, por exemplo:
- Duas jaquetas de couro original por R$ 1.200;
- Um jantar, com prato principal e vinho: R$ 45;
- Vinhos das melhores marcas: R$ 20;
- Quilo de picanha: R$20;
- Transporte urbano de metrô e ônibus; por cerca de R$ 1 ou até menos.
Aumento da procura
Outros brasileiros já marcaram suas viagens com a expectativa de gastar pouco. É o caso do churrasqueiro e influencer José Mateus, dono do canal “Barbecue King”, que embarcou nesta semana para turismo gastronômico.
“Aqui, em São Paulo, a gente gastaria entre R$ 400 e R$ 500 para comprar uma carne de qualidade. Lá dá para gastar entre R$ 100 e R$ 200 em um dos melhores restaurantes da capital.”
Como gastar menos?
Para quem chegar na Argentina, seguir algumas dicas pode ajudar a aproveitar ainda mais a desvalorização do peso.
A designer de viagens Leda De Luca sugere que os visitantes sempre busquem levar uma quantia de reais e outra de dólares para fazer o câmbio dessas moedas dentro da Argentina.
Ela opina que a negociação nas casas de câmbio do país é mais favorável aos clientes, por conta da demanda do comércio local por moedas estrangeiras.
“O ideal na Argentina não é que você troque o montante todo de uma vez só, vai trocando de pouquinho e pouquinho para, justamente, não sobrar peso na sua mão. Porque voltar com peso ao Brasil não faz o menor o sentido.”
É mais indicado pagar em dinheiro, porque o comércio por cartão de débito ou crédito na Argentina não vale tanto a pena para turistas. Os principais motivos são:
- o imposto cobrado pelo governo brasileiro nas transações, o IOF;
- a cotação dessas compras, baseadas nos valores oficiais do dólar e peso.
Por isso, guias de turismo recomendam o uso de cartões apenas para emergências ou para pedir carros de transporte por aplicativo.
Câmbio paralelo
Ainda existe o mercado de "câmbio paralelo" de dólares na Argentina, famoso por dar retorno até duas vezes maior do que o obtido em entidades oficiais.
Por mais que o turista possa conseguir muito mais pesos nesse mercado, existe o risco de ser vítima de golpes de doleiros na troca do dinheiro em espécie.
Do lado positivo do câmbio paralelo, alguns viajantes citam aplicativos para envio de dinheiro ao exterior que são confiáveis e oferecem cotação mais favorável do que a oficial, como o Western Union.
Por conta do tamanho dessa prática informal no país, o governo argentino começou a permitir recentemente que turistas vendam até US$ 5 mil em casas de câmbio oficiais e bancos a preços similares do câmbio paralelo.
A nova política, no entanto, ainda não teve adesão dos turistas, segundo relatos de quem trabalha no país.
Para quem não quiser ou não conseguir trocar o dinheiro, vale ressaltar que muitos serviços em pontos turísticos aceitam pagamento em real, dólar e até euro.
Porém, assim como a prática de câmbio informal, o pagamento em dinheiro merece atenção dos turistas:
- muitas notas falsas de peso circulam no país, em golpes feitos para enganar visitantes, alertam Leda de Luca e Kelly Couto, especializadas em turismo;
- cada loja, hotel e restaurante pode cobrar sua própria cotação em pagamentos com moedas internacionais, o que pode deixar alguns clientes no prejuízo.
Setor movimentado
A procura motivada pelo poder de compra se reflete nas operações do setor. A Latam relata um crescimento de 50% do número de passageiros do Brasil para Buenos Aires e Mendoza do primeiro ao segundo trimestre de 2022.
Segundo a companhia, o país responde por mais de 15% das vendas internacionais.
A Gol tem a Argentina como o país mais buscado para voos na América Latina. A empresa prevê dobrar as ofertas para o território no segundo semestre de 2022.
A CVC, agência de viagens, também sentiu um aumento na procura e tem Buenos Aires como um dos destinos mundiais favoritos dos brasileiros, ao lado de Lisboa, Cancún, Paris, Roma, Miami, Punta Cana e Nova York