Eleito pela terceira vez consecutiva como deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro, Jean Wyllys, que está fora do Brasil, não deve voltar para tomar posse. Ele anunciou que vai deixar a carreira política em uma entrevista exclusiva ao Jornal Folha de São Paulo.
A decisão foi motivada pelas várias ameaças que o parlamentar vem sofrendo. Em março do ano passado, sua correligionária, a vereadora Mariele Franco, foi executada a tiros e até hoje os responsáveis pela sua morte não foram presos. Desde então o parlamentar passou a andar com seguranças.
Na entrevista, Jean Wyllys disse que vai de dedicar à vida acadêmica e também vai se ausentar das redes sociais. 'Quero cuidar de mim e me manter vivo', afirma o deputado.
De acordo com a Secretaria-Geral da Câmara, o suplente de Jean Wyllys é o vereador carioca David Miranda (PSOL-RJ).
Ele foi pego de surpresa com a saída do colega. Apesar de garantir que sabia das ameaças sofridas pelo deputado, que chegavam desde mensagens em redes sociais até telefonemas, não imaginava que precisaria ocupar tão logo o cargo conquistado por Wyllys,
Miranda afirma que também já foi ameaçado. A mais terrível delas, ele lembra, aconteceu enquanto caminhava pelas ruas do Rio de Janeiro. "Esse veado aí é aquele vereador. Ele tem que morrer". "Fiquei com medo, mas enfrentei. Sou favelado, eu sempre tive que enfrentar. Tinha oito anos quando vi, pela primeira vez, um cadáver, que estava caído em frente à minha casa, no Jacarezinho", conta.
"É claro que estou com medo. Mataram Marielle, tentaram matar o [deputado Marcelo] Freixo, Jean estava na mira e até a vereadora Talíria Petroni (PSOL-RJ) recebeu ameaças por telefone. Mas vou para Brasília com as pernas tremendo mesmo, não importa. Não somos super-homens, se tomarmos um tiro, morremos. . Ainda assim, temos uma responsabilidade moral e cívica quando decidimos entrar na política. Temos responsabilidade com as pessoas. Assassinaram Marielle tentando silenciar os ativistas. Não vão conseguir".
Nas redes sociais, Jean deixou uma mensagem de despedida: " Preservar a vida ameaçada é também uma estratégia da luta por dias melhores. Fizemos muito pelo bem comum. E faremos muito mais quando chegar o novo tempo, não importa que façamos por outros meios! Obrigado a todas e todos".
Carta
Leia a carta de Jean Wyllys ao PSOL:
À Executiva do Partido Socialismo e Liberdade - PSol
Queridas companheiras e queridos companheiros,
Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.
Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.
Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.
Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.
Não deixo o cargo de maneira irrefletida. Foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está, há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos últimos três anos, notadamente no ano passado. Por conta delas, deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.
Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.
Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano. Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.
Esta semana, em que tive convicção de que não poderia - para minha saúde física e emocional e de minha família - continuar a viver de maneira precária e pela metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT. Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil.
Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país. E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer. Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.
Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.
Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.
Despeço-me de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara, mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um dia. Até um dia!
Jean Wyllys
23 de janeiro de 2019