Jornalista causa polêmica ao denunciar pedófilos à polícia

A reportagem, com uma hora e meia de duração e preparada após seis meses de apuração

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Até onde vão os limites da profissão de jornalista? A polêmica questão foi levantada intensamente na última semana na França, depois que um programa jornalístico não apenas investigou e divulgou uma reportagem chocante sobre pedofilia, repleta de imagens com câmera escondida, mas denunciou à polícia 22 pessoas ouvidas na elaboração da matéria. Todos agora estão sob investigação policial ou respondendo a processos judiciais.

Sempre que vai ao ar, o programa Os Infiltrados - cujo nome já indica como é feita a produção - suscita vivos debates sobre os seus métodos jornalísticos. Desta vez, porém, a infiltração de um repórter no coração de uma rede mundial de aliciamento de menores e compartilhamento de imagens de caráter pedopornográfico resultou em uma denúncia formal à polícia por parte da agência que produziu a reportagem, exibida na última terça-feira no canal público francês France 2. Alegando que a lei francesa poderia enquadrar a agencia Capa por cumplicidade nos crimes de pedofilia, os jornalistas preferiram entregar as fontes às autoridades, quebrando assim um dos princípios éticos mais caros à profissão, o do sigilo da fonte.

A reportagem, com uma hora e meia de duração e preparada após seis meses de apuração, de fato exibe as tais fontes em situações revoltantes. O jornalista Laurent Richard se faz passar por uma menina de 12 anos, Jéssica, em diversos sites de chat entre adolescentes. Em poucos minutos, dezenas de homens adultos procuram a suposta criança, pedem para conversar através de câmera, propõem de encontrá-la para acariciá-la. O jornalista, disfarçado de menina, diz que a sua câmera está estragada, o que não afeta em nada o entusiasmo dos supostos pedófilos em prosseguir a conversa.

Vários deles, mostra Richard, ligam a mesma a própria câmera e começam a se exibir, alguns a se masturbar diante do que pensam ser uma garota de apenas 12 anos. Pelo menos cinco deles insistiram no encontro com a falsa Jéssica e foram até o local combinado. Um chegou a reservar um quarto de hotel nas proximidades.

Em todos os encontros, o repórter se aproximou, perguntou se estavam lá para encontrar a menina e eles, após algumas negativas - mas face à transcrição das conversas online - admitiram as intenções. Um deles disse que jamais colocaria um fim ao assédio a menores. Nenhum teve o rosto, a voz ou a identidade revelados na exibição do programa.

O jornalista ainda foi além e, se fazendo passar por pedófilo, conseguiu se inscrever em um site sigiloso de uma rede mundial de pedofilia, depois de meses de insistência e de adquirir a confiança dos mentores do endereço. Pela internet, pedófilos de todas as partes do mundo trocam imagens sensuais de crianças, em uma atividade totalmente fora da lei.

Um relatório da ONU sobre o assunto estima que existem 750 mil pedófilos conectados diariamente na internet, em busca de vítimas ou imagens ilegais. Associações de defesa de menores afirmam que pelo menos 30% das crianças e adolescentes já foram assediadas na web.

Foi através deste site que Richard chegou a um pedófilo canadense que já cumpriu 10 anos de detenção por violação de menores, no entanto insuficientes para diminuir suas pulsões. O repórter foi até o Canadá, encontrou o homem e conheceu a sua coleção de mais de 2 mil gigabytes em fotos e filmes de pedofilia, estocados em segredo em dezenas de discos rígidos. Contou histórias dele e de seus amigos que apreciam crianças, e ainda afirmou que o sentimento de culpa pela pedofilia passa ao longo dos anos.

No terceiro dia de conversa, o pedófilo confessa que está em vias de agredir mais uma criança - a gota d"água que faltava para que o jornalista alertasse a polícia. Passados 40 dias de investigação policial, o homem foi novamente preso.

Imprensa criticou postura do jornalista

Embora a qualidade do trabalho jornalístico investigativo realizado por Richard não tenha sido posto em questão, a reportagem Predadores sexuais foi alvo de críticas generalizadas na imprensa francesa. O jornal Libération chegou a dedicar a capa da sua edição de terça-feira ao assunto, sob o título de "Jornalistas ou dedos-duros?".

"O sigilo da fonte é um dogma. O seu respeito absoluto permite às fontes de entregar informações aos jornalistas, com a segurança total de que elas não serão jamais denunciadas", argumenta o jornalista policial e escritor Yves Bordenave, que no jornal Le Monde acusou a France 2 de criar um novo gênero na profissão, o de "jornalista auxiliar da polícia". "Violar este dogma, como fez a equipe de Os Infiltrados, levanta dúvidas sobre a sinceridade dos jornalistas."

Dois dos jornalistas investigativos mais conhecidos da França, Denis Robert e Pierre Péan, também publicaram textos em que desprezavam a atitude de Richard e da France 2. No jornal Le Figaro, o sociólogo especialista em ética na mídia Jean-Marie Charon defendeu que os jornalistas usem os meios que lhes parecerem mais apropriados para chegar às informações, mas que eles devem se contentar em apenas reportá-las da forma mais correta e detalhada possível. Ou seja, na visão de Charon, cabe ao jornalista dar todos os elementos para que a polícia e o poder público façam o restante.

O problema, alegam o canal de televisão e a agência produtora, é que uma lei francesa de 2000 sustenta que "qualquer um que tenha conhecimento de atentado sexual contra menores de 15 anos (...) é punido com três anos de prisão e 45 mil euros de multa". Mas neste caso, contrapõem os críticos da atitude, a lei perderia validade face aos direito de imprensa. O código penal francês deixa claro que "todo o jornalista ouvido como testemunha sobre informações recolhidas no exercício de sua atividade é livre de não revelar as origens das informações".

Por conta desta direito, secretário-geral do o Sindicato Nacional dos Jornalistas franceses, Dominique Pradalié, foi o primeiro a condenar publicamente a atitude do repórter.

O jornalista responsável pela investigação fez questão de se explicar, e deu entrevista a vários veículos franceses ao longo da semana. "Quando temos acesso a informações que podem impedir tentativas de corrupção de menores ou estupros de crianças, me parece normal que, como cidadão, eu queira avisar dos casos à polícia", disse Richard ao Le Parisien. "Eu fiz o que qualquer francês faria, e teria ficado muito mal se tivesse ficado calado. São fatos gravíssimos, não há o que tergiversar."

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