Chovia ? e chovia muito ? naquela quinta-feira. Victor caminhava pelo centro de Porto Alegre entre um serviço e outro. O jovem paulista de 25 anos, que há três anos veio "tentar a sorte" no Rio Grande do Sul trabalha como técnico de qualidade e inspeções em uma empresa de manutenção de elevadores. Após uma manhã cheia, ele se deslocava a passos rápidos com o equipamento de trabalho em uma mão e o guarda-chuva na outra. Na Praça Argentina, próximo à Santa Casa, um objeto no chão lhe chamou a atenção. Caído alguns passos à frente do jovem, um iPhone branco se destacava na calçada molhada pela chuva.
Victor pegou o celular do chão e tentou liga-lo, sem sucesso. O aparelho estava sem bateria. Desde o primeiro momento em que teve o aparelho em mãos, Victor já pensava em como faria para devolvê-lo.
? É da criação da gente. Meu pai também trabalhou muito tempo com comércio. Já achou até cheque e devolveu. Ele ensinou pra gente: não importa se a gente tem pouco dinheiro, se mora na periferia. A gente tem que ser honesto. Se não é da gente a gente tem que devolver.
Victor estudava o telefone, em busca de alguma identificação. Sem conseguir retirar as capinhas protetoras do celular para localizar o chip, decidiu levar o iPhone encontrado para casa, enquanto se preocupava em como faria para encontrar seu dono.
Perdido
Enquanto Victor se esmerava na busca pelo dono do aparelho, Marina Cornelli chegava em casa sem esperança. A estudante de medicina havia recebido o aparelho de presente dos pais. No iPhone estavam diversos aplicativos que a auxiliavam no dia a dia. Nomes e tratamentos de doenças, quantidade de medicação, matérias de aula. O telefone faria falta para Marina, como estudante e como profissional, e ela já pensava em alguma maneira de conseguir reparar a perda do aparelho:
? Eu tinha me conformado. No final do dia eu já estava pensando quantos meses de bolsa (universitária, espécie de estágio que a estudante exerce) eu teria que juntar para poder comprar um celular novo.
O esforço para encontrar o dono
Em casa na cidade de Canoas, Victor procurava na internet uma maneira de identificar o aparelho que havia encontrado. Depois de algum tempo de pesquisa e com a ajuda de um tutorial online, ele conseguiu seguir um passo a passo e retirar o chip do iPhone. O técnico identificou a operadora do celular e, com o número de série impresso no chip, tentou descobrir, sem sucesso, quem era o titular da linha.
? Eu pesquisei pela internet, descobri que o celular é de última geração, mais de 2 mil reais. Top de linha mesmo. Amigos meus me falaram ?por que que você não fica com o celular?? ? conta Victor, sobre o período em que ficou com o aparelho. Mas não compensa, né? Ele não é meu, é de alguém, e alguém que precisa disso, então vamos devolver.
O encontro
No dia seguinte, em seu horário de almoço, Victor foi até uma loja da operadora do celular encontrado para descobrir quem era o proprietário do aparelho. O jovem já planejava fazer anúncio em algumas rádios para chegar ao dono do celular quando uma das atendentes da loja retornou com o nome e outro número de telefone da proprietária da linha.
Aliviado, Victor marcou um encontro com Odete Cornelli, mãe de Marina.
? Eu estava todo sujo, cheio de graxa, afinal trabalho com elevadores. Falei para ela ?se você não se importar, eu estou sujo...?. Ela disse que tudo bem, me deu um abraço, agradeceu muito.
Mais tarde naquele dia, Marina ligou para agradecer Victor pela atitude:
? Eu liguei para ele, conversei e agradeci muito. Disse que ele era uma pessoa diferenciada. Independentemente do que ele fizer na vida, ele tem uma amiga, porque ele é uma pessoa do bem.
A boa ação de Victor conseguiu, inclusive, mudar alguns conceitos de Marina.
? A nossa sociedade sempre valoriza as pessoas que são malandras e que são espertas. Eu jamais esperava que isso fosse acontecer, que o meu celular fosse voltar, que uma pessoa desconhecida teria uma atitude assim.
Para Victor, a recompensa é a certeza de um amanhã melhor.
? Quem faz o bem futuramente colhe o bem. Devia ter mais pessoas assim ? concluiu.