Jovens trocam comida por bebidas álcoolicas para emagrecer

Consumo de álcool para emagrecer vira uma perigosa prática entre jovens com distúrbio alimentar

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A busca incessante pela magreza acaba de ganhar um perigoso aliado: o álcool. São cada vez mais comuns os casos de pessoas que substituem as refeições por bebida alcoólica, na tentativa de emagrecer. A prática, conhecida como alcoolrexia ou drunkorexia (derivada da palavra drunk, que significa bêbado), vem ganhando adeptos entre jovens de 20 a 35 anos e enchendo os consultórios de psiquiatras.

As doses são sempre de destilados - cerveja, que incha, está fora de cogitação. Os casos são tantos que já viraram tema de merchandising social da nova novela das 20h da Rede Globo, "Viver a Vida", de Manoel Car los (leia mais sobre ela a partir da pág. 101).

A personagem de Bárbara Paz começa a trama bebendo apenas socialmente. "Mas ela é aspirante a modelo, quer ascender socialmente e acaba drunkoréxica", diz Bárbara, que conversou com psiquiatras para construir a alcoolréxica Renata.

Embora ainda sem reconhecimento oficial pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença, que é um misto de alcoolismo com anorexia, assusta. "São dois males que, sozinhos, já são complicados de tratar", afirma Maria Clara Mansur, presidente da Associação Brasileira de Transtornos Alimentares. Para ela, o que leva o jovem à alcoolrexia é um misto de complacência social com o álcool e glamourização da magreza. "Tomar porre e ser magrinho é um imperativo cultural mundial", diz.

"E é chique acabar em um centro de reabilitação." Para muitos, a drunkorexia é apenas mais uma manifestação da compulsividade humana aliada a transtornos alimentares como a anorexia, quando a pessoa sempre acha que está acima do peso, ou a bulimia, quando a vítima vomita o que come para não engordar. "A alcoolrexia, como doença, não existe", diz Silvia Brasiliano, coordenadora do Programa de Assistência à Mulher Dependente Química do Hospital das Clínicas de São Paulo.

"Existe é gente que faz a vida girar em torno do próprio peso e alia esse transtorno ao abuso do álcool", explica. Ela lembra do caso de uma paciente que criou uma complicada dieta. "Para cada três dias de comida, ela passava dois só bebendo", conta. O esquema descrito por Silvia lembra o criado pela carioca D.M., 27 anos. Há três anos ela começou a substituir as refeições pelo álcool. "Só percebi a loucura daquilo quando uma amiga, que também bebia em vez de comer, morreu de complicações desses abusos", diz ela. Segundo D.M., o álcool pode até ser mais calórico do que muitas comidas - um grama de destilado tem sete calorias, enquanto um grama de carboidrato tem quatro -, mas ele tem uma propriedade valorizada por quem quer emagrecer sem se preocupar com a saúde.

"Quando bebo, em vez de comer, eu anestesio a fome", revela D.M. Fisicamente, substituir uma refeição por uma dose de uísque tem consequências devastadoras. Os problemas vão do comprometimento do sistema imunológico ao digestivo. "Comecei a perceber que meus cabelos estavam caindo e minhas unhas quebrando", explica A.M., 36 anos, que sofreu com a alcoolrexia até 2003. "Desenvolvi um problema hepático que me acompanha até hoje", diz. Segundo o médico Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, por ingerir, em média, menos de mil calorias por dia, o drunkoréxico perde tônus muscular e sofre com graves distúrbios estomacais.

"É um verdadeiro de sastre", diz a nutricionista Adriana Kachani, do Hospital das Clínicas de São Paulo. O corpo, acostumado a funcionar com proporções semelhantes de carboidratos, proteínas e gorduras, passa a operar apenas com os carboidratos do álcool. Mas, como em todos os vícios, as pessoas só reconhecem que estão doentes quando estão muito mal. "A pessoa precisa tomar um susto para buscar tratamento", conta o psiquiatra Marcelo Niel, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade de São Paulo. Enquanto em 2008 ele atendeu apenas dois pacientes com o problema, nos primeiros seis meses de 2009 recebeu nove. "É um fenômeno muito novo", reconhece Niel. "Mas o número de casos está aumentando."

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