Lei federal torna crime hediodo assassinato de mulheres por motivos de violência doméstica

Uma lei federal tornou crime hediondo o assassinato de mulheres por motivos de violência doméstica, familiar ou por motivo de gênero, mas a tipificação do feminicídio corre risco de não ser efetivada

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Desde o último dia 9 de março, o feminicídio passou a ser considerado crime hediondo. Na prática, quem assassinar uma mulher por motivos de violência doméstica, familiar ou por motivo de gênero será condenado por um crime grave, onde a pena deve ser obrigatoriamente cumprida em regime fechado e pode variar entre 12 a 30 anos de prisão.



A medida foi tomada em um momento oportuno, onde a morte de mulheres por motivos de ódio ou crime passional não para de aumentar. Segundo o Mapa da Violência, foram mais de 100 mil mulheres assassinadas na última década em todo o Brasil.

De acordo com o Instituto Avante Brasil, uma mulher morre a cada hora no Brasil. Quase metade desses homicídios são dolosos, ou seja, praticados com a intenção de matar.

Muitos deles envolvendo violência doméstica ou familiar através do uso de armas de fogo, 34% envolvendo o uso de objetos perfurantes (como facas ou cacos de vidro) e 7% por asfixia. A medida, é claro, visa reduzir a quantidade de assassinatos do sexo frágil, que muitas vezes não tem como se defender da brutalidade masculina.

A dúvida é: transformar o feminicídio em crime hediondo reduzirá de fato a violência contra a mulher? A Lei Maria da Penha é uma ferramenta importante no combate à violência feminina, mas parece ser subutilizada pelas mulheres, tendo em vista que os índices de violência não param de crescer.

De qualquer forma, a lei do feminicídio já começa a surtir efeito no país. Em Jundiaí, interior de São Paulo, um homem de 56 anos foi preso em flagrante ao tentar matar a esposa cortando seu pescoço com uma faca e sua condenação poderá ser de até 30 anos em regime fechado. Um aviso para a ala masculina, que não deve se preocupar com a penalidade, e sim com o hábito de honrar e respeitar as mulheres.

Para a comissária de Justiça, Anna Caroline Almeida, a inclusão do feminicídio no Código Penal representa um avanço legal para a luta das mulheres contra a violência.

“A lei prevê penas mais severas para o homicídio, que inclui motivações de gênero, com alguns agravantes para casos de mulheres grávidas ou homicídio ocorrido na presença dos filhos”, destaca.

Contudo, a tipificação do feminicídio corre o risco de não ser efetivada, de fato, por conta de falta de estrutura do Estado, que não investe no aparato necessário para elucidar tais crimes, tampouco punir os agressores. A Lei Maria da Penha não tem sido efetivada, o que contribui para o aumento dos casos de feminicídio e violência de gênero.

“Além disso, é essencial o investimento estatal para garantir políticas públicas de prevenção da violência doméstica, que não se restrinjam à esfera penal, como a rede de assistência e inserção do debate de igualdade de gênero nas escolas e na mídia, pois, só assim, romperemos essa cultura de machismo e violência doméstica na sociedade”, pontua.

Igualdade de direitos só acontecerá com educação

Apesar da lei do feminicídio gerar controvérsias entre os homens, para as mulheres o regimento chegou em um momento mais que oportuno. Para a estudante universitária Sergiana Silva, a lei demorou a acontecer.

"A gente achou que a Lei Maria da Penha iria surtir efeito, mas a gente está vendo que não aconteceram muitas mudanças e quase todas nós já sofreram ou conhecem alguém que foi vítima de agressão masculina.

Sofremos violência e preconceito diariamente pelo simples fato de sermos mulher, por isso acho que o Brasil merece uma lei mais enérgica que puna os agressores", conta.

Para a mulher, negra e membro do Grupo Batuque Feminista, a lei é necessária, mas não deve ser a única ferramenta no combate à violência feminina.

"Os atuais índices de morte por violência doméstica são cada vez maiores e a lei é um a medida socioeducativa, mas ela não é a solução final. Prender um homem depois que ele mata uma mulher não vai trazê-la de volta à vida", diz Mona Muyo.

Para Mona, o caminho para igualdade entre sexos é o empoderamento feminino. "Continuamos vivendo em uma sociedade machista e patriarcalista, potencializada pelo sistema em que vivemos.

Por mais que a gente possa contar com leis do tipo, as punições não resolvem o problema geral da violência no país, especialmente se você parar para pensar que o Brasil tem a quarta maior população carcerária do planeta", atesta.

O empoderamento feminino pode ser alcançado através de campanhas contra a violência, o fortalecimento das ONGs e, principalmente, com a conscientização do poder que as mulheres têm em suas mãos. "A mulher tem, sim, o direito de escolha, tem o direito de dizer 'não', a mulher não é propriedade de ninguém.

Precisamos ir na raiz do problema e investir na educação para causar uma mudança na cultura patriarcal e visão machista da sociedade. Se não batermos nessa tecla cotidianamente, não é a lei que mudará essa realidade", pontua a mulher.

Homens consideram ilegalidade da norma

Nem os índices crescentes de violência contra as mulheres parecem ser motivo para alguns homens apoiarem a lei do feminicídio. Segundo D. L., "essa lei é inconstitucional, pois o artigo 5° da Constituição da República do Brasil estabelece que todos são iguais perante a lei.

Não se pode determinar que alguns crimes tenham uma gravidade diferente para homem e para a mulher. Crime passional é crime e passional, o Código Penal está aí para ser cumprido e as punições existem para ser aplicadas".

Para ele, a lei não faz sentido e reafirma o conceito de que a vida do homem vale menos que a da mulher. Quase 95% das mortes por acidente de trabalho vitimam os homens e, mesmo assim, ninguém faz nada a respeito dos direitos masculinos.

"Para mim, isto é uma medida populista travestida de direito para mulheres. O câncer de próstata mata muito mais que o câncer de mama. Ainda assim, o Governo Federal investe cinco vezes mais na prevenção de câncer das mulheres.

Existe uma série de argumentos que poderiam ser tomados a favor do sexo masculino, mas vivemos em uma sociedade misândrica e ninguém vai fazer nada em favor dos homens", afirma o homem.

Fotos: Kelson Fontinele

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