Vez por outra a imprensa registra casos em que golpistas profissionais, atraindo ambiciosos sem escrúpulos, lhes passam a perna, obtendo vantagem ilícita. O incauto é tangido por um propósito ilegal e indecente, como o de conseguir moeda falsa por baixo preço e colocá-la em circulação, enriquecendo ilicitamente.
A crônica forense criminal anota diversas modalidades de contos do vigário, mas, em todas elas, o propósito escabroso está nas duas pontas: no trapaceiro que engana o otário ganancioso, e no patife que aspira ficar rico com a tramóia. Em ambos, a intenção é indecorosa e ilícita. São dois cínicos que se encontram porque se atraem.
Em tais casos, não se configura o estelionato (art. 171, do CP), porque o patrimônio do enganado, em tais circunstâncias, perde a tutela da lei. Como ensina o mestre Nelson Hungria, ?o patrimônio individual cuja lesão fraudulenta constitui o estelionato é o juridicamente protegido, e somente goza da proteção do direito o patrimônio que serve a um fim legítimo, dentro de sua função econômico-social?. Se assim não fosse, seria admitido que a Justiça se envolvesse na discórdia entre ladrões na partilha dos rendimentos do crime.
A torpeza pune a torpeza, é secular adágio forense, não se admitindo que o Estado tome partido nas querelas entre mal-intencionados.
Se a vítima do suposto estelionato se mantivesse fiel à lei e à decência moral, não teria caído na trama do vigarista. A intenção de quem aceita comprar dinheiro falso para passar ao público é mais criminosa do que a do falsário simulado, porque o crime de moeda falsa, que atenta contra a fé pública (art. 289, do CP, com pena de 3 a 12 anos de reclusão), é bem mais grave do que o do estelionato, que viola patrimônio particular (reclusão, de 1 a 5 anos).
A haver punição, o enganador e o enganado deveriam ser presos. O primeiro, por fingir fabricar dinheiro e, o segundo, por pretender realmente cometer o crime de moeda falsa. No campo da safadeza os dois se equivalem.
Em tais hipóteses não se configura o crime de estelionato. Se os equipamentos do vigarista forem idôneos para fabricação de moeda, ele responderia pelo crime do art. 291, do CP. Se não, não há crime algum.
Concluo com HUNGRIA: ?o que a sociedade exige é que se protejam os homens de bem e não os que empenham seu patrimônio num plano delituoso ou imoral?. (Comentários ao CP, vol. VII, p.197)
De sacripantas, o mundo está cheio.