Neste sábado (10), o Brasil celebra o Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher, instituído em 10 de outubro de 1980. A data, contudo, tem poucos motivos para ser comemorada 40 anos depois. Os casos de feminicídio no país cresceram 22% em 12 estados durante pandemia, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). De acordo com levantamento do Instituto AzMina divulgado na última quinta-feira (8), desde o início da pandemia no Brasil, três mulheres morrem por dia vítimas de violência doméstica. São Paulo (79), Minas Gerais (64) e Bahia (49) são os estados com maior número de casos de feminicídio neste período.
No Piauí, o número de denúncias de violência doméstica feitas pelo aplicativo Salve Maria, da Secretaria de Segurança, cresceu 45% entre março e julho, meses em aconteceu o isolamento social por conta da pandemia de coronavírus. O crescimento foi acompanhando por uma redução no número de denúncias feitas presencialmente, nas delegacias. De acordo com dados oficiais, o Estado já registra, somente no ano de 2020, 16 vítimas de femicídio, sendo que 13 ocorreram no primeiro semestre do ano.
Segundo a Secretaria, entre março e jullho foram feitas 452 denúncias através do aplicativo, uma média de 90 denúncias por mês. Em 2019, foram feitas 310 denúncias no mesmo período. Já entre janeiro e julho de 2020, foram contabilizadas 530 denúncias pelo aplicativo, 16% a mais do que no mesmo período do ano passado.
A FBSP menciona também como estatística preocupante o aumento de denúncias feitas por telefone. Em uma comparação entre março de 2019 e 2020, a entidade registrou um acréscimo de 17,9% em ligações para denunciar agressores. Em abril deste ano, quando quarentena já havia sido decretada em todos os estados brasileiros, a procura pelo serviço cresceu 37,6%.
Para o advogado criminalista e ex-integrante do Ministério Público Estadual de São Paulo Roberto Tardelli, o aumento no número de casos de feminicídio está condicionado a uma série de fatores. "Em primeiro lugar, somos uma sociedade violenta. A violência é muito mais praticada no Brasil do que imaginamos, e isso acontece porque há uma aceitação social, uma banalização da violência, que é muito grande. É fato que a convivência social ao longo da pandemia agravou este quadro, até porque a agressão às mulheres se baseia em uma situação de superioridade e dependência financeira. Mas este é um problema social, e é antigo. O que sustenta isso é a violência urbana. Quando a violência é naturalizada, a agressão se torna lugar comum".
Questionado a respeito de soluções e políticas públicas para conter o aumento de incidentes no Brasil, Tardelli afirmou que "a lei nunca é o bastante, principalmente diante de um governo que nega a questão de gênero, que sequer é debatida nas escolas". Para ele, esta "deveria ser uma pauta prioritária em quaisquer espaços de convivência social". O advogado salientou em sua entrevista que, no momento, "o problema cresce na medida em que políticas públicas oficiais de governo estão fora da discussão. É preciso ensinar isso nas escolas. A questão deve ser visitada, revisada... E o que temos é uma negação do problema. Portanto, se governo nega que haja um problema de violência doméstica, não há como estabelecer qualquer política pública de prevenção".
Combatendo a violência contra mulher
O primeiro contato que a mulher tem com a estrutura que a recepciona depois de uma experiência traumática pode ser decisivo para que ela adquira confiança e volte a buscar apoio, garantindo que a sua situação estará devidamente monitorada e não se agravará. Nesse sentido, a Lei Maria da Penha, de 2006, é a principal referência. Outra forma de combater a violência contra mulher é a ampliação de delegacias especializadas no atendimento às mulheres. Contudo, elas são poucas e ainda esparsas no território nacional: de acordo com dados da FBSP, menos de 10% dos municípios contam esse serviço.
Juliana Vinuto, professora do Instituto de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista em estudos de gênero e população carcerária, enfatizou que um dos maiores problemas do feminicídio no Brasil é a ausência de delegacias especializadas. Concomitantemente, há a questão do machismo estrutural na sociedade que não pode ser relativizado.
"A delegacia da mulher é uma conquista do movimento feminista. Mas isso não resolveu o problema, porque não afetou os valores da sociedade, principalmente da polícia. Há um avanço, claro, há mulheres que estão conquistando espaço dentro deste segmento. Contudo, como primeiro contato na recepção de uma delegacia raramente é feito por uma mulher, isso configura um problema. Um homem pode bloquear psicologicamente uma mulher. É comum que mulheres que peçam proteção sofram algum preconceito. Se a mulher não se adequar aos padrões respeitáveis, ela simplesmente é mal acolhida", disse.
Em 2020, a Lei do Feminicídio completou cinco anos. Desde o dia 9 de março de 2015, assassinatos de mulheres envolvendo violência doméstica e questões de gênero passaram a ser qualificados como crimes hediondos, com penas de até 30 anos. Essa pena pode ser elevada em até 50%, caso o crime seja praticado: na presença de filhos, pais ou avós da vítima; durante a gestação ou nos três meses imediatamente pós-parto; ou contra vítima menor de 14 anos, maior de 60 anos ou portadora de deficiência.