O presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou nesta segunda-feira (26) que os líderes do G7 vão providenciar, imediatamente, 20 milhões de euros (cerca de R$ 91 milhões) de ajuda emergencial para combater queimadas na Amazônia. O anúncio acontece em meio à tensão entre Macron e o o governo brasileiro. Mais cedo, o presidente Jair Bolsonaro questionou o interesse da França em ajudar a preservar a floresta.
A maior parte do dinheiro dos países ricos seria destinada ao envio de aviões Canadair de combate a incêndios, segundo a agência France Press. O G7 também propôs uma assistência de médio prazo para o reflorestamento, a ser apresentada na Assembleia Geral da ONU no final de setembro. Para recebê-la, o Brasil teria que concordar em trabalhar com ONGs e populações locais, disse governo francês.
Bolsonaro não disse se aceitaria ou não o apoio. Ao sair do Palácio da Alvorada, nesta manhã, comentou: "Será que alguém ajuda alguém – a não ser uma pessoa pobre, né? – sem retorno? [...] O que que eles querem lá há tanto tempo?”.
Pouco depois, pelas redes sociais, Bolsonaro disse que conversou sobre a Amazônia com o presidente da Colômbia, Iván Duque, e que não se pode aceitar que Macron "dispare ataques descabidos e gratuitos à Amazônia".
"Não podemos aceitar que um presidente, Macron, dispare ataques descabidos e gratuitos à Amazônia, nem que disfarce suas intenções atrás da ideia de uma 'aliança' dos países do G-7 para 'salvar' a Amazônia, como se fôssemos uma colônia ou uma terra de ninguém", postou Bolsonaro.
Desde a semana passada, com a crise gerada pela alta das queimadas na Amazônia, Bolsonaro e Macron trocam críticas em declarações e entrevistas. O francês, por exemplo, disse que Bolsonaro mentiu sobre sua preocupação com a proteção do meio ambiente (veja mais detalhes abaixo).
Dados divulgados neste domingo (25) pelo Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, antes mesmo do final do mês, agosto já registra mais focos de queimadas na Amazônia que a media dos últimos 21 anos.
No site do instituto, em 25 dias de agosto, o bioma amazônico registrou 25.934 focos de incêndio, número ligeiramente acima da média da série histórica para este mês (25.853) que abrange os anos entre 1998 e 2018.
Salles: 'Medida bem-vinda'
Nesta manhã, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a decisão da cúpula do G7 é "uma excelente medida, é muito bem-vinda".
"Eu queria aproveitar inclusive para lembrar que desde 2005 o Brasil tem cerca de 250 milhões de toneladas de gás carbônico, mecanismo de desenvolvimento limpo, pra receber, e isso gera mais ou menos uma receita de US$ 2,5 bilhões. Então essa é também uma medida que nos pedimos que os países desenvolvidos, o G7, nos ajudem a quitar essa fatura do Protocolo de Kyoto, esse crédito que o Brasil tem, o que seria muito bem vindo para nós", disse em um evento em São Paulo.
O ministro destacou que "quem vai decidir como usar recursos para o Brasil é o povo brasileiro e o governo brasileiro."
Ministro da Defesa: 'Toda ajuda é bem-vinda'
O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, afirmou à BBC que "toda ajuda é bem-vinda" ao fala sobre o apoio de outros países no combate às queimadas. "Ajuda no combate ao incêndio não afeta [soberania nacional]. Não é ingerência, é questão de ajuda técnica", declarou.
De acordo com a reportagem, embora não tenha comentado especificamente qualquer proposta de auxílio internacional, Azevedo e Silva afirmou que o governo "está avaliando a necessidade" de ajuda.
Ele também usou os termos "um exagero" e "uma crítica muito forte" ao tratar da repercussão internacional das queimadas. E disse: "Houve períodos de queimadas maiores que o atual".
Maia: 'Não vejo problema'
Na mesma linha de Salles, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que não vê problema em o Brasil aceitar ajuda financeira dos países ricos. “Não vejo problema do Brasil aceitar ajuda nessa e em outras áreas, contanto que fique claro que a região amazônica, como todo território nacional, a soberania é do Estado brasileiro”, declarou ele, que participou de um seminário do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
Após o evento, Maia disse que Emmanuel Macron tem razão em se preocupar com o desmatamento na Amazônia, mas o presidente francês cometeu excessos e, por isso, ficou isolado.
O presidente da Câmara afirmou ainda não haver ações concretas do governo de Jair Bolsonaro no estímulo às queimadas na região, mas disse que a forma como o presidente da República fala "pode gerar esse tipo de dúvida".
Tereza Cristina: 'É difícil controlar'
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, classificou as respostas do presidente da França como "oportunistas". Segundo a ministra, ele "prejudicou a imagem do Brasil, que já não anda bem", mas destacou a ação do encontro dos líderes do G7, que enviarão 20 milhões de euros como ajuda emergencial.
Para ela, é necessário que se fiscalize e preserve sem interferir na soberania do país.
Esforços de Macron
O presidente francês já havia anunciado, desde a semana passada, que os problemas na Amazônia seriam um dos temas debatidos na reunião de cúpula do G7, que começou sábado (24) e termina nesta segunda-feira em Biarritz, na França.
No domingo (25), Macron disse que havia convergência para oferta de ajuda do grupo aos países da América do Sul afetados por queimadas.
Na sexta-feira (23), o presidente francês havia ameaçado não ratificar o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul por conta de supostas mentiras do Brasil em relação aos compromissos de preservação ambiental. No entanto, no dia seguinte, Reino Unido, Alemanha e Espanha fizeram críticas a Macron e defenderam o acordo UE-Mercosul.
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, disse que o país dele oferece ajuda ao Brasil com aeronaves que carregam água para ajudar nos incêndios.
Apoio de Israel
No domingo, o presidente Jair Bolsonaro conversou por telefone com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Após o diálogo, Bolsonaro anunciou que aceitou o envio de aeronaves de Israel com "apoio especializado para colaborar" nas ações contra as queimadas.
O presidente disse nesta segunda que conversou com "líderes excepcionais" sobre a situação na Amazônia e, sem citar nomes, afirmou que não falou com lideranças estrangeiras que desejam continuar "tutelando" o Brasil.
"Vinte e quatro horas por dia eu trabalhei, conversei com vários líderes de países, líderes excepcionais, que querem realmente colaborar com o Brasil. Não conversei com aqueles outros, que querem continuar nos tutelando", afirmou.
Além de Netahyahu, Bolsonaro conversou nos últimos dias com os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Chile, Sebastián Piñera. Bolsonaro não teve diálogo com Macron sobre Amazônia desde o início da crise gerada pela alta das queimadas.
Trump ausente
Donald Trump não participou das discussões sobre mudança climática e biodiversidade que aconteceram durante o encontro da cúpula do G7 nesta segunda. Segundo Macron, o norte-americano estava em encontros bilaterais. Trump, no entanto, apoia os esforços para responder às queimadas na Amazônia, disse o francês.
"Ele não estava na sala, mas o time dele, sim. Não se deve interpretar a ausência do presidente americano... Os EUA estão ao nosso lado nos temas de biodiversidade e na iniciativa da Amazônia", afirmou o presidente da França.
ONU quer a mobilização internacional
O secretário-geral da ONU, António Guterres pediu a mobilização da comunidade internacional para preservar a Amazônia.
"Há um forte apelo, e espero que possamos mobilizar muito mais recursos para ajudar os países da Amazônia", disse.
É necessário, acrescentou, "uma forte vontade coletiva para preservar esse patrimônio universal, absolutamente essencial para o bem-estar da população mundial".