O relógio marcava 16h em ponto. Nuvens carregadas se formavam no céu do interior de São Paulo e um vento agradável amenizava o calor de quase 30°C que fez durante a tarde. Enquanto o árbitro Alireza Faghani apitava o início da partida entre Brasil e Sérvia, no Estádio Lusail, no Qatar, começava em Jundiaí o Hino Nacional.
Mas não havia telão ou uma transmissão do jogo, e ninguém parecia realmente interessado nisso. Era o início de mais um ato golpista em frente ao 12° GAC (Grupo de Artilharia de Campanha), onde dura uma das maiores concentrações bolsonaristas do país.
Desde 31 de outubro ocupando a entrada do quartel, que fica às margens da Rodovia Anhanguera, centenas de pessoas ignoraram completamente o jogo de futebol. Dezenas de barracas estão espalhadas pela calçada.
Um exemplo é o casal Giovana e Joaquim, que preferiram não dizer o sobrenome. De Bertioga, no litoral norte paulista, vieram apenas para acompanhar a manifestação que estava marcada para a hora do jogo.
"A gente gosta de futebol, gostamos da Seleção. Mas a Copa tem de quatro em quatro anos, e nesse momento preferimos ajudar o Brasil", disse Joaquim. "Queríamos pernoitar, mas não vai ser possível, infelizmente", completa a esposa.
Eles compraram bandeiras para enfeitar o carro, como um símbolo, segundo eles, "do patriotismo que exercem".
A reportagem testemunhou a conversa de dois bolsonaristas. Um deles havia acabado de chegar ao quartel. "Eu nunca imaginei que ia torcer contra o Brasil no futebol", dizia, ao se encontrar com um colega. "Vi um monte de gente desesperada querendo chegar em casa pra ver essa porcaria", completou. Questionado depois, ele não quis dar o nome.
Voaram críticas para todos os lados: à própria Copa, ao presidente da FIFA, que teria ficado "incomodado com o boicote dos brasileiros ao jogo" (fake news espalhada pelas redes sociais), aos jogadores, "que, quando veem que o negócio aperta aqui, fogem para o exterior".
"Eu já queria que perdesse hoje e já saísse dessa Copa", afirmou um metalúrgico, de nome Wanderlei. Ele também não quis dar o sobrenome quando soube que uma das pessoas com quem conversava era este repórter. "Se eu pudesse ficava aqui também, mas preciso trabalhar", ponderou, antes de se afastar — pedindo desculpas, uma cena rara em muitos dos protestos.
Aliás, as críticas contra a imprensa também foram constantes. A frase mais comum foi: "Ficam dando atenção para esse bando correndo atrás de uma bola, em vez de mostrar nossa luta".
Hino nacional e oração
Além do hino, a cada hora, aproximadamente, o grupo entoava a oração do Pai-Nosso. Não é um dado estatístico, claro, mas havia uma concentração quase igualitária entre evangélicos (em uma quantidade talvez um pouco maior) e católicos.
Muitos disseram que tem como religião "o Brasil", se esquivando da resposta verdadeira. Não havia símbolo de qualquer crença nas barracas ou mesmo no chão, apenas bandeiras do Brasil e cartazes com mensagens golpistas.
Aproveitando para faturar
Adriano Souza, 33, comerciante informal, corria para lá e para cá na Avenida 14 de Dezembro, que dá acesso ao quartel do GAC. "A camisa amarela acabou, só tem a azul, tamanho G"; "só tenho essas três bandeiras"; "infelizmente não tenho" era o que ele mais falava.
Morador de Carapicuíba, na Grande São Paulo, está "rodando o país" para conseguir algum dinheiro. Há dois dias sem dormir, veio de Curitiba, parou no Brás — tradicional bairro de venda de roupas e tecidos, na capital —, refez o estoque e veio para o interior.
"Hoje teve gente que comprou camiseta para torcer pela Seleção, e também quem veio para participar do protesto. Vou voltar no sábado, porque de fim de semana aqui fica mais cheio", disse, enquanto recolhia bandeiras de Portugal e outros países, que "encalharam".
A essa altura, um motorista passou e gritou "tem bandeira da Argentina?". "Tenho, pior que tenho", disse, rindo. Ela também encalhou.