Marinha concede primeira identidade militar a casal gay

Foram nove longos meses de espera para fazer valer os direitos que um cônjuge de cabo da Marinha teria normalmente.

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Em agosto de 2011, logo após a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal pela regulamentação da união estável homoafetiva em todo o País, João Silva, 39 anos, assistente social e cabo da Marinha, foi o primeiro militar a se casar com uma pessoa do mesmo sexo na história da corporação. Ele obteve sua certidão de casamento, a primeira de um casal gay no Estado do Rio de Janeiro, ao selar laços matrimoniais com Cláudio Nascimento, 41 anos, gestor público e coordenador do programa estadual Rio sem Homofobia.

O certo seria imaginar que, com a certidão máxima de comprovação dos direitos que cercam uma união reconhecida federalmente, a obtenção de novos documentos pessoais, de praxe para casais do sexo oposto, não deixaria de ser mera formalidade também para eles. No entanto, não foi o que aconteceu. "Tivemos dois pedidos indeferidos. Alegavam que não poderiam colocar o Claudio como meu cônjuge na identidade militar, que não podiam colocar alguém do mesmo sexo. Então ficou algo incompleto", recordou João Silva.

Foram nove longos meses de espera para fazer valer os direitos que um cônjuge de cabo da Marinha teria normalmente, como, por exemplo, o auxílio-saúde. Na última sexta-feira, a Marinha cedeu e acabou reconhecendo o estado civil do casamento. João Silva e Cláudio Nascimento são, novamente, pioneiros no mundo LGBT. O primeiro casal a obrigar a Marinha a aceitar as novas decisões supremas que eles próprios ajudaram a construir.

"Tenho orgulho de ser o primeiro militar a ter esse direito reconhecido. Agora o Cláudio vai ter todos os direitos e benefícios de um militar. O mais importante disso é o teor administrativo, vai abrir um precedente histórico para outros casais", orgulha-se João Silva.

O cabo conseguiu uma intervenção do governo federal no caso. A presidente Dilma Rousseff teve seu gabinete acionado, via ofício da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), para que intercedesse a favor dos dois na queda de braço com a Marinha, relutante em consentir o novo estado civil de seu cabo, que há 23 anos serve a corporação.

"Acuso o recebimento do Ofício PR 077/2012, dirigido à Excelentíssima Senhora Presidenta da República, pelo qual solicita intervenção junto à Marinha do Brasil, para averiguação de suposta denúncia de discriminação contra o cabo João Pereira da Silva, que teve indeferido o pedido de reconhecimento de casamento civil, decorrente de união homoafetiva estável. Pela natureza do assunto, informo que o expediente foi encaminhado ao Ministério da Defesa", comunicou o gabinete presidencial em resposta.

"A Marinha estava violando o meu direito, e do João de exercer seu novo estado civil. Assim como a gente, outros casais também vão ter seus direitos reconhecido. Não dá para generalizar, mas algumas pessoas lá dentro manchavam o nome de uma instituição importante", afirma o aliviado Cláudio Nascimento, feliz com sua identidade militar onde consta: "cônjuge de cabo (Marinha do Brasil)".

"Depois que o ministério da Defesa interveio, e a Marinha acatou, o documento que demorava 48 horas saiu em trinta minutos, super rápido", relembrou o militar, mostrando o seu novo documento militar impresso, inclusive, com o número comprovante do casamento: "Livro 00210B Fls 020 ¿ Detran-RJ".

As conquistas dos dois já servem de inspiração para 50 novos casais: ambos foram padrinhos do casamento coletivo homoafetivo ocorrido no último domingo, na sede da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), o primeiro do gênero na história do judiciário brasileiro. Fizeram discurso e viram 40 casais prontamente se manifestarem pela defensoria pública pelo reconhecimento do novo estado civil.

"Foram nove meses de luta, e participar hoje disso, logo depois de conseguir vencer esta batalha, é como um presente para gente", resumiu o cabo, guardando a identidade com cuidado, "porque custou caro".

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