Uma equipe com cerca de 30 pessoas coordenadas pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e amparadas por soldados do Exército e policiais federais e militares iniciou no último domingo uma delicada expedição que poderá durar vários meses e tentará se aproximar de um grupo de índios isolados na Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas.
É a primeira vez nos últimos 23 anos que o governo brasileiro organiza uma missão desse porte e que pode resultar no contato com índios isolados, segundo a Funai.
O objetivo principal da operação é apaziguar as relações entre o grupo, da etnia korubo, e índios do povo matis, já contatados. Confrontos entre as duas comunidades provocaram entre 10 e 17 mortes desde 2014, conforme relatórios da Funai.
"Temos uma situação extrema ali, que coloca em risco a sobrevivência física do grupo isolado (korubo), assim como a integridade física dos matis", diz à BBC News Brasil o chefe da missão, Bruno Pereira, coordenador-geral de índios isolados e de recente contato da Funai.
'Quadrilhas profissionais'
A equipe - composta por servidores da Funai, colaboradores locais, um médico, uma enfermeira, um técnico de enfermagem e cerca de 20 índios da região - partiu da cidade de Tabatinga (AM) rumo à base da Funai no rio Ituí, dentro da terra indígena.
No domingo, o grupo deixou a base para uma viagem de dois dias de barco até o rio Coari. Eles devem passar alguns dias acampados antes de se deslocar por outros dois dias até as proximidades da aldeia isolada, entre o fim desta semana e o início da próxima.
A Polícia Federal, o Exército e a Polícia Militar do Amazonas farão bloqueios em rios da região durante a expedição. Segundo Pereira, a ação policial busca barrar e investigar "quadrilhas profissionais de infratores ambientais que pescam tartaruga e pirarucu" dentro da terra indígena e promoveram quatro ataques com armas de fogo à base da Funai nos últimos 14 meses.
O Exército mobilizou helicópteros para evacuar a equipe em caso de emergências.
Que povos são considerados isolados?
Requisitada pelos índios matis, a expedição divide especialistas e outros indígenas do Vale do Javari - críticos dizem que a missão pode agravar os conflitos na área, além de violar o direito à autodeterminação de um grupo que decidiu viver em isolamento.
O governo considera isolados os grupos sem relações permanentes com a sociedade nacional ou com outros povos indígenas. A Funai estima que o grupo isolado korubo tenha entre 30 e 40 integrantes.
A etnia se fragmentou nas últimas décadas em meio a rusgas internas e conflitos com comunidades vizinhas. Em 1996 e entre 2014 e 2015, dois grupos korubo foram contatados e se afastaram da comunidade que permanece isolada.
O grupo contatado em 2014 e 2015 também vinha reivindicando à Funai um reencontro com os parentes isolados. "Eles argumentam que, se não puderem ir para lá, vão se vingar dos matis, vai ter uma nova guerra e vai morrer todo mundo lá dentro", diz Bruno Pereira.
Seis korubo contatados integram a missão e serão os primeiros a se aproximar dos isolados. Segundo Pereira, ele farão uma varredura na aldeia à procura de bordunas, porretes usados como armas pelos indígenas.
Ele diz que, mesmo que os isolados recebam bem os primeiros visitantes, os outros membros da expedição só entrarão na aldeia se os anfitriões concordarem.
Caso contrário, a equipe montará um acampamento a algumas dezenas de quilômetros da aldeia. Segundo Pereira, eles poderão passar vários meses no local, comunicando-se com o grupo isolado por intermédio dos visitantes e monitorando sua saúde.
Para Antenor Vaz, ex-servidor da Funai que já chefiou a Frente de Proteção Etnoambiental do órgão no Vale do Javari, a operação é arriscada. Ele diz que índios korubo contatados em 1996 já tentaram visitar o mesmo grupo isolado em 2009, mas foram rechaçados.
"Dois índios contatados foram cercados e quase morreram. Levaram bordunadas na cabeça e se salvaram por sorte", ele afirma à BBC News Brasil.