Um vídeo de uma jovem menina mórmon revelando à sua congregação que é lésbica e amada por Deus – antes de seu microfone ser cortado por líderes da igreja local – está despertando uma nova rodada de discussões a respeito de como a religião lida com as questões LGBT.
Savannah, de 13 anos, falou no dia 7 de maio em Eagle Mountain, Utah, Estados Unidos, que acredita que ela é filha de pais maravilhosos que não cometeram nenhum erro ao criá-la. Seus comentários surgiram durante um espaço oferecido uma vez por mês, incentivando os fiéis a compartilharem seus sentimentos e crenças.
“Eles não erraram quando me deram sardas ou quando me fizeram ser gay,” disse ela, usando uma camiseta branca e uma gravata vermelha. “Deus me ama da forma como eu sou”.
Sua mãe, Heather Kester, disse na última sexta-feira que sua filha estava decidida a se assumir na igreja para ser uma voz e um exemplo para outras crianças LGBT que sofrem para serem aceitas na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Ela pediu que o nome completo de Savannah fosse omitido para proteger a sua privacidade.
A religião mórmon é um dos muitos grupos conservadores que se opõem aos relacionamentos entre pessoas no mesmo sexo, em meio ao aumento da aceitação social e da decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de legalizar o casamento gay. Ao mesmo tempo, a igreja mórmon está tentando incentivar um posicionamento empático em relação às pessoas LGBT.
O vídeo, feito por uma amiga de Savannah que foi à igreja apoiá-la, chamou a atenção após ter circulado online este mês e aparecido em um podcast LGBT mórmon.
Enquanto alguns consideram Savannah uma heroína, outros mórmons não estão felizes que o fato tenha sido gravado e esteja sendo divulgado por críticos da religião, com o objetivo de denegrir a igreja.
Judd Law, o bispo que lidera a congregação ao sul de Salt Lake City, disse, num comunicado distribuído pela igreja que Savannah é “uma jovem menina corajosa” e que a congregação não está medindo esforços para que ela e sua família se sintam amadas.
No entanto, ele classificou a gravação não autorizada do momento, e a “demonstração inconveniente” de um grupo de adultos não-mórmons que estavam no local, como problemáticas.
Law disse que eles exploraram o evento para politizar o culto e violar o decoro da igreja. “Nós não falamos de política em nossas igrejas, e explorar esta gravação por razões políticas não condiz com a natureza das nossas reuniões,” disse ele.
Law não comentou nem explicou a decisão de dois de seus conselheiros de cortar o microfone. Ele não estava na igreja naquele dia.
Savannah estava no púlpito e leu um texto escrito por ela. Heather disse que não é mórmon, mas seu marido é, e Savannah foi criada sob os ensinamentos da religião.
“Eu não escolho ser desta forma e isso não é um modismo,” disse Savannah à congregação no dia 7 de maio. “Eu não posso fazer alguém virar gay… Eu acredito que Deus quer que nós nos tratemos com bondade, mesmo se as pessoas forem diferentes, principalmente se elas forem diferentes”.
Seu microfone foi cortado após cerca de dois minutos – pouco depois de ter dito que não é uma “pecadora terrível” e que algum dia espera ter uma parceira, se casar e ter uma família. Ela se virou para ouvir algo que um homem usando um terno lhe disse e depois foi retirada do púlpito.
Heather disse que sua filha veio até ela e chorou no seu colo. A mãe disse à menina que seu discurso havia sido lindo e que Deus a amava.
“Eu me senti arrasada por ela,” disse Heather, acrescentando: “Eu fiquei brava pela forma como eles lidaram com a situação”.
Após a igreja mórmon de Utah ter recebido críticas em 2008 por ajudar a liderar a luta pela proposta da Califórnia de banir constitucionalmente o casamento gay, líderes religiosos passaram vários anos desenvolvendo cuidadosamente um tom mais empático em relação à comunidade LGBT. O plano foi interrompido em 2015, quando a igreja adotou novas regras proibindo que crianças que vivem com pais homossexuais sejam batizadas antes de completar 18 anos.
Em outubro do ano passado, líderes da igreja atualizaram um site criado em 2012 para dizer aos membros que sentir atração por pessoas do mesmo sexo não é um pecado ou uma medida de fé, e que esta sensação pode nunca ir embora. No entanto, a igreja lembrou os membros de que ter relações sexuais homossexuais viola crenças fundamentais da doutrina, que não irão mudar.
Scott Gordon, presidente da Fair Mormon, uma organização voluntária que apoia a igreja, escreveu um post em um blog defendendo a igreja contra a onda de críticas decorrente do incidente.
Gordon disse que não havia problema no fato de que Savannah se assumiu homossexual durante seu discurso, mas que ela ultrapassou o limite quando caracterizou erroneamente os ensinamentos da igreja ao dizer que Deus gostaria que ela tivesse uma parceira e se casasse.
“Embora você possa acreditar em quase tudo que quiser, você não pode pregar isso estando no púlpito,” disse Gordon.
Britt Jones, uma mórmon bissexual que lidera um podcast chamado “I like to look for Rainbows” (Eu gosto de procurar arco-íris, em tradução livre), que falou sobre a história de Savannah, disse que os líderes da igreja deveriam ter permitido que a menina terminasse seu discurso.
“As questões homossexuais não são suficientemente debatidas na igreja,” disse Britt, que é casada com uma mulher e tem filhos. “Foi algo muito corajoso e admirável, especialmente para alguém tão jovem, não apenas pelo fato de que ela quis falar por si mesma, mas também porque quer ser uma voz para outros que estejam sofrendo em solidão”.