“Meu amigo morreu segurando a minha mão”, diz jovem que sobreviveu a acidente com carro dirigido por garoto

A equipe do delegado Fabiano Schmitt, da Polícia Civil, investiga de quem era o veículo

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Assim como a maioria das tragédias, o acidente que causou a morte de dois adolescentes na noite do último sábado em Correia Pinto, na Serra Catarinense, poderia ter sido evitado. Aos poucos as causas são esclarecidas.

A equipe do delegado Fabiano Schmitt, da Polícia Civil, investiga de quem era o veículo para apurar se o proprietário permitiu que um menor de 14 anos dirigisse.

Nesta terça-feira, o único sobrevivente, N.S.C.J, de 17 anos, recebeu a reportagem do Diário Catarinense na escola e contou como tudo aconteceu. Ele era amigo de infância de Wilian dos Santos do Nascimento, 14, e de Michael Douglas da Luz, 17, que também morreu. Os três, inclusive, estudavam juntos no primeiro ano do Ensino Médio da mesma instituição de ensino.

Com alguns arranhões no rosto e um semblante visivelmente abatido, N., celebra o fato de estar vivo. E também garante que aprendeu, ainda que da pior maneira possível, uma lição que vai levar pelo resto da vida.

Diário Catarinense — Como foi aquele sábado à noite? N — Era umas 22h. Eu estava deitado em casa e escutei o ronco de um carro lá fora. Era o Wilian, e ele tinha ido me mostrar o Celta, que eu nunca tinha visto e nem sei de quem é. Pedi para dar uma volta, ele não deixou, mas me convidou para sair. O Michael estava junto. Minha mãe não permitiu porque já era tarde, mas eu fiquei bravo porque tinha trabalhado a semana toda e achava que tinha o direito de sair. Então coloquei uma roupa, peguei meu celular e fui. Quando eu entrei no carro, incentivei o Wilian a ir até o campo de futebol do bairro para fazer uns “zerinhos”.  

DC — O “zerinho” teria sido o ponto de partida para o pior?

N — Foi sim. Depois do campo de futebol nós fomos até o posto de combustível. O Wilian parou o carro e disse que ia fazer cantar os pneus do carro, e eu falei para ele fazer isso em segunda marcha. Nisso ele acelerou e foi em direção à ponte que dá acesso ao bairro, mas um pouco antes tinha outro carro indo também. O Wilian tentou ultrapassar esse carro na ponte, mas era impossível porque não passam dois ao mesmo tempo, pois a ponte é muito estreita. Esse carro freou e foi para o nosso lado, aí o Wilian também freou e logo em seguida acelerou tudo. O Celta bateu no meio-fio do lado esquerdo da ponte e caiu do lado direito já virado com as quatro rodas para cima.

DC — Como você conseguiu sair do carro?

N — Quando o carro começou a cair eu me deitei no banco de trás e tentei quebrar o vidro, mas não consegui. Então vi uma luz e não fiz nenhum esforço. Parece que meu corpo saiu sozinho do carro. E nisso apareceu um homem que veio do meio do mato, todo de preto, que me puxou para fora do rio. Quando eu saí, já não o vi mais, e logo em seguida me levaram para o hospital. Não sei que luz era aquela e nem quem era o homem, mas foi assim que eu me salvei.

DC — E você tentou salvar os seus amigos?

N — Antes de sair do rio eu tentei, mas não consegui. Quando a gente bateu ainda em cima da ponte o Wilian já caiu desmaiado sobre o volante. O carro ficou coberto pela água com o teto para baixo. Tentei abrir a porta do Wilian, mas arranquei a maçaneta. E como vi que ele não se mexia, fui ajudar o Michael, que estava no banco do carona agonizando. Ele se batia para tentar abrir a porta e eu tentei puxá-lo para fora, mas também não deu. Então ele segurou a minha mão com força e parou de se mexer. Meu amigo morreu segurando a minha mão.


 

DC — Vocês três tinham uma forte ligação, certo?

N — Desde sempre. A gente se criou no mesmo bairro, jogava bola e

de bicicleta. Eu e o Wilian éramos os “caras” para fazer manobras de bicicleta. Vai ser muito difícil viver sem os meus melhores amigos.

DC — Você considera que recebeu uma nova chance por ter saído ileso de uma tragédia?

N — Quando eu fui embarcar no carro lá em casa eu queria ir no banco da frente, mas o Michael não deixou. Aí ele disse para o Wilian não dirigir muito rápido porque ele era muito novo para morrer. E falou sério. Achei muito estranho o Michael falar aquilo. E logo em seguida aconteceu aquilo tudo. Eu nasci de novo.

DC — E a partir de agora, como você pretende tocar a sua vida?

N — Quando eu vi minha mãe ainda na ambulância eu pedi perdão a ela. Nunca mais vou desobedecê-la. Quero fazer faculdade de Direito e seguir carreira no Exército. Quero formar uma família e servir de exemplo para o meu irmão mais novo. Agora vou pensar muito antes de fazer qualquer coisa, pois tenho uma vida inteira pela frente.

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