O motoboy Kleber Atalla, de 51 anos, conseguiu reunir fãs, colecionar críticos e ter renda extra impulsionada com vídeos nos quais mostra a rotina de um motociclista nas ruas e avenidas de São Paulo. Excesso de velocidade, "disputa de racha" contra uma Ferrari, xingamentos a motoristas e conselhos para os jovens são os principais itens da coleção postada no YouTube.
?Sei que é ilegal o que faço. Não recomendo para quem me assiste?, afirmou. Ele justifica as irregularidades dizendo que as comete em nome da audiência. ?Estou fazendo assim porque é uma maneira de me comunicar com a molecada. Se fizer um vídeo a 30 km/h, atrás dos carros, ninguém vai querer assistir. Tem que ter um sensacionalismo.?
O capitão Paulo Oliveira, chefe do setor operacional do Comando de Policiamento de Trânsito (CPTran), avaliou os vídeos e disse que, se fosse flagrado em apenas um trecho dos vídeos, Kleber perderia a carteira. Além de acelerar mais do que o permitido, ele também faz ultrapassagens proibidas, dirige na contramão e ultrapassa sinal vermelho.
Nem sempre, porém, Atalla sai ileso dos passeios. ?Já quebrei clavícula, dedo, me esfolei, levei vários tombos. E perdi alguns amigos no último ano, por acidente. Perdi nesse ano um tiozão, que era parceirão mesmo, da minha idade. Bateu de frente numa moto, na [Rodovia] Mogi-Bertioga.?
Estratégia
Os vídeos atualmente fazem parte de uma estratégia de marketing: neles ele indica seu site de venda de escapamentos e peças de moto. A idéia de criar a página surgiu após uma série de e-mails que o motociclista recebeu depois de postar o primeiro vídeo no YouTube: uma filmagem de 22 segundos mostrando o barulho do escapamento que havia mandado fazer para a moto que tinha na época, uma Yamaha XJ6. Os motociclistas queriam saber em que loja ele havia comprado aquela peça.
Ao notar a demanda, passou a fazer o meio de campo entre os vendedores da Rua General Osório, ?Meca? dos motociclistas em São Paulo, e compradores de todo o Brasil. ?Eu revendo as peças. Nessa eu ganho uns troquinhos?, disse.
Os vídeos
Além de abrir as portas para o comércio virtual, o primeiro vídeo o levou a assistir a filmagens de outros internautas-motociclistas. Atualmente registradas com uma câmera presa no capacete ou no guidão, as filmagens mostram os riscos enfrentados (e provocados) por quem enfrenta sobre duas rodas o trânsito caótico da capital paulista. Em um deles, ele chega a acelerar a mais de 120 km/h na Avenida Jornalista Roberto Marinho, na Zona Sul.
Nas gravações, Atalla fala de assuntos variados, como prevenção às drogas e às doenças sexualmente transmissíveis, sobre a importância de respeitar os mais velhos e o valor do estudo. Em alguns vídeos, chega a pedir a seus fãs que não façam como ele e pilotem de maneira mais responsável.
As críticas também são muitas.?O pessoal fala que estou totalmente errado, que sou um transgressor, que estou agredindo todo mundo, colocando em risco a vida de várias pessoas, não só a minha.." Isso, porém, só aumentou a popularidade de Atalla. Seu canal no YouTube tinha, até esta segunda (17), 29 mil inscritos e mais de 7,7 milhões de exibições.
Velocidade
Rotineiramente, Kleber trafega com o velocímetro acima de 90 km/h, inclusive em vias congestionadas onde o limite é de 60 km/h. Quando há congestionamentos, não poupa os motoristas de carro que cometem infrações rotineiras, como não dar seta ao mudar de faixa.
?A moto é um veículo rápido, principalmente em corredores como o da [Avenida] 23 de Maio. O motoqueiro vem ?despinguelado?. Se frear ele vai cair.? Para os motoristas, Kleber costuma tecer comentários pouco lisonjeiros e acelerar sua moto, uma Hornet 600, de forma brusca, para assustar.
Medo
O motociclista admite que teme sofrer acidentes. ?Sei que se acontecer um acidente mais sério já era. Estou preparado para, se der uma ?panca?, me machucar bem. Minha mulher é a pessoa que menos gosta disso.?
O medo é pertinente. De acordo com Relatório Anual de Acidentes de Trânsito Fatais, da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), no ano passado 512 motociclistas morreram em acidentes apenas na capital paulista. O documento aponta que apenas os pedestres são mais vulneráveis nas vias paulistanas, com 617 mortos em 2011.
Apesar das centenas de infrações, a grande maioria por excesso de velocidade, registradas nos vídeos, o motociclista garante que tomou apenas uma multa, na Avenida Sumaré, Zona Oeste de São Paulo. ?Foi vacilo meu. Sabia que tinha radar, mas pensei que estava quebrado. Vi o radar de frente e fui. Depois chegou a multa em casa: sete pontos e mais de R$ 500. Paguei, né, fazer o quê? Estava mais de 30% acima da velocidade máxima.?
Multas
Atalla pode atribuir o fato de ter levado apenas uma autuação à sorte. Nos dois vídeos analisados, o capitão Paulo Oliveira verificou que, em poucos segundos, Kleber comete uma infração que levaria à suspensão do direito de dirigir e apreensão da carteira de habilitação dele: trafegar a mais de 50% do limite de velocidade. Considerada gravíssima, leva a multa de R$ 574,62.
Além de acelerar mais do que o permitido, comete outras infrações, de diversas naturezas, como ultrapassagem proibida, dirigir na contramão, ultrapassar pela direita, ultrapassar sinal vermelho, entre outros. A maioria ocorre em estradas livres e em vias rápidas congestionadas, como a 23 de Maio. ?A cidade, infelizmente, não foi concebida apenas para carros, motos, caminhões ou ônibus. O motorista tem que compartilhar?, disse o capitão.
Apesar de as infrações estarem registradas em vídeo, o poder público nada pode fazer, segundo o capitão. Segundo ele, as multas só podem ser aplicadas se flagradas por um agente ou radar.