A promotora de Justiça da Saúde Pública, Isabel Porto, impetrou junto ao Tribunal de Justiça do Estado uma Ação Civil Pública para que o Estado do Ceará, através de sua Perícia Forense (Pefoce), realize a exumação dos sete cadáveres de indigentes enterrados sem qualquer proteção no cemitério Parque Bom Jardim. O procedimento tem como objetivo chegar aos responsáveis pelos enterros indevidos.
A exumação deverá ser acompanhada por um perito designado pela Justiça para confirmar o que foi dito na maioria dos depoimentos: que os corpos de indigentes, procedentes do antigo Instituto Médico Legal, eram sepultados naquele cemitério sem urnas funerárias ou qualquer outro tipo de proteção, ou seja, lançados direto na terra, conforme denunciou, com exclusividade, o Diário do Nordeste, na edição de 28 de maio passado.
Segundo a promotora, houve uma primeira versão de que os cadáveres tinham sido enterrados envoltos em batas descartáveis. ?Depois, veio a história dos sacos plásticos pretos. Mas no decorrer da tomada de depoimentos as pessoas foram confirmando que não havia nenhuma proteção envolvendo os corpos. A exumação vai consolidar as investigações. Depois de exumados, todos os cadáveres terão que ser inumados em urnas funerárias dentro do que determinam a ética e a dignidade?, explicou Isabel Porto.
A promotora apontou a resolução 335 (de 3 de abril de 2003) do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) - que trata dos cemitérios, seu funcionamento e licenciamento ambiental para funcionarem.
Outra cópia do processo foi enviada ao delegado Valdir Cavalcante de Paula Passos - designado pelo superintendente da Polícia Civil, Luiz Carlos Dantas, para instaurar procedimento policial acerca do caso. ?Já faz algum tempo que requisitamos a instauração de um inquérito policial?, explicou.
Apuração gerou outras denúncias ao MP
A partir da apuração sobre o sepultamento de indigentes no cemitério Parque Bom Jardim, surgiram outras denúncias que estão sendo também observadas pelo Ministério Público. ?Paralelo ao primeiro procedimento, passamos a acompanhar a situação dos outros cemitérios públicos e privados de Fortaleza e da Região Metropolitana e estamos exigindo a regularização de todos eles?, destacou a promotora de Justiça Isabel Porto.
Segundo Isabel, em relação ao enterro de peças anatômicas (partes de corpos que foram amputadas, por exemplo) ou de fetos, a Promotoria de Saúde Pública está fazendo uma recomendação aos hospitais públicos e privados para que sejam mandadas ao cemitério devidamente acondicionadas.
Recipientes
?A informação que obtivemos é a de que alguns hospitais particulares estavam encaminhado as peças em recipientes adequados, mas hospitais públicos mandavam de qualquer jeito. Por conta disso estamos fazendo essa recomendação a todos os hospitais de Fortaleza?, explicou.
Isabel citou a Resolução da Diretoria Colegiada número 306, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como o modelo que deve ser seguido no caso de inumação de peças anatômicas (membros) do ser humano e fetos.
Diz o documento: ?peças anatômicas (membros) do ser humano; produto de fecundação sem sinais vitais, com peso menor que 500 gramas, estatura menor que 25 centímetros ou idade gestacional menor que 20 semanas, que não tenham valor científico ou legal e não tenha havido requisição pelo paciente ou seus familiares, após o registro no local de geração, devem ser encaminhados para sepultamento em cemitério, desde que haja autorização do órgão competente do Município, do Estado ou do Distrito Federal; ou tratamento térmico por incineração ou cremação, em equipamento devidamente licenciado para esse fim?, diz um trecho da norma.
Apressaram
No caso dos indigentes sepultados indevidamente no Parque Bom Jardim, as autoridades informaram que apressaram os enterros pela falta de geladeiras em funcionamento regular no antigo Instituto Médico Legal.
O fato gerou outra conseqüência. Os cadáveres não identificados ou não reclamados, eram sepultados em até 24 horas, causando transtornos e constrangimento para as famílias das vítimas.
Quinze pessoas foram ouvidas em depoimento sobre o caso
Em quase dois meses de investigações e num processo com 356 páginas, a promotora da Saúde Pública ouviu 15 pessoas em depoimento, entre elas o perito-geral da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), Maximiano Leite Barbosa Chaves; o legista Roberto Rios, coordenador de Medicina Legal (CML) da Pefoce; o diretor de Tanatologia da CML, legista Fernando Diógenes Teixeira; o administrador do cemitério Parque Bom Jardim, Antônio Agostinho Filho; e, ainda, o então coordenador de Planejamento e Gestão da Pefoce, Luiz Carlos Carneiro Oliveira.
Também foram ouvidos um auxiliar de perícia, dois motoristas da Pefoce, dois auxiliares de motorista e cinco coveiros do cemitério Parque Bom Jardim. O último depoimento foi o do coronel Bráulio Ernani Paiva Guerra, que figurava no contrato do fornecimento de urnas funerárias como o servidor da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) responsável pela fiscalização do contrato. ?Quando o fato aconteceu ele já não estava mais naquela função, mas não tinha sido substituído?, acrescentou Isabel Porto.
Cinco vereadores foram ao cemitério averiguar as denúncias. Eles ouviram dos moradores a mesma versão levada a público pelo Diário do Nordeste, e todos ficaram indignados.