Mulheres do Quilombo Mimbó, no Piauí, buscam geração de renda no artesanato

Artesãs da comunidade localizada em Amarante empregam elementos da cultura em utensílios e peças exclusivas feitas a partir de retalhos.

Mimbó artesanato | Raíssa Morais
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De portas sempre abertas, uma modesta e convidativa casa no Quilombo Mimbó, na zona rural de Amarante, Piauí, mantém sob um firme teto o sonho de 13 mulheres.

Vestida com sorriso largo e olhar gentil, Elisanete Paixão, de 64 anos, recebe a equipe da TV Meio Norte e Jornal Meio Norte para conversar sobre sonhos. Ela distribui afeto enquanto aprecia o aconchego da família reunida em uma arejada cozinha preenchida com móveis, uma pia e um fogão de barro.

A poucos passos à esquerda surge o cenário central do bate-papo: um pequeno quarto com paredes de tijolos aparentes. Elisanete conduz a equipe de jornalismo para explorar o ambiente. Improvisadas prateleiras abarrotadas de sacolas plásticas com retalhos de tecidos deixam o espaço ainda mais apertado. 

A área central inclui máquinas de costura nos modelos overloque e mecânica, tubos de linhas, tesouras e fiapos de tecidos espalhados sobre as mesas que aninham os equipamentos. Mais movimentado que os demais cômodos da casa, o quartinho improvisado guarda um propósito grandioso.

Itens de costura indicam um ateliê em pleno funcionamento, onde 13 mulheres ocupam seus postos de trabalho, dividem funções e somam sonhos e frutos de um serviço que há pouco tempo era desconhecido para algumas.

Cristina, Maria de Jesus, Rosildete, Elisanete, Sônia, Lene Maria, Maria Francisca, Marta Paixão, Graziele, Fernanda, Maria Rita, Raimunda Maria e Ivandir estão entre os 600 habitantes do Quilombo Mimbó, comunidade símbolo da luta contra o sistema escravocrata. Juntas, elas buscam independência financeira e econômica.

Mulheres do Quilombo fazem da costura o sustento para suas famílias | FOTO: Raíssa Morais

Da necessidade, uma forma de sustento

Na vida de Elisanete Paixão, o interesse pela costura nasceu de forma repentina e foi abraçado por ela ainda na adolescência. Aos 16 anos de idade, ganhou da mãe sua primeira máquina de costura para consertar os furos inconvenientes de roupas desgastadas.

O presente chegou graças a sua insistência em aprender coisas novas.“Eu tinha pena de ver as roupas dos meus pais e irmãos furadas e tinha muita vontade de aprender, máquina de costura era coisa impressionante para mim”, falou enquanto lembrava do primeiro contato com o artesanato.

Elisanete Paixão, 64 anos, conta a trajetória de um sonho que se tornou realidade | FOTO: Raíssa Morais

A máquina que ela ganhou de presente era um equipamento de pedal, do tipo que exige habilidade nas mãos e um ritmo coordenado nos pés. Com movimentos iniciais mais bruscos, ela pega o embalo e atravessa o tecido com a linha incorporada à agulha. Foi a partir desse impulso que a costura logo foi transformada em uma alternativa de renda.

Os anos se passaram e Elisanete Paixão casou, teve 3 filhos e precisou recorrer aos empregos informais na zona urbana de Amarante para garantir o sustento da família.

Ao mesmo tempo, ela desenvolveu sozinha seus métodos de trabalho com a costura. Reparos em roupas da vizinhança, confecção de uniformes para apresentações culturais, cerimônias religiosas e ajuste de trajes para os tradicionais dias de festa do Mimbó tornaram-se atividades frequentes.

“Eu fazia do meu jeito, não fui ensinada. Minha mãe não costurava e minha vó também não, mas fui tentando, tentando e foi dando certo”, disse.

Interesse de uma virou de todas

A técnica adquirida com anos de prática não era o suficiente para Elisanete. Ela queria aprender mais, conhecer outros meios de artesanato e atrair a atenção de outras mulheres para aquela atividade empolgante. 

Em 2019, a atual governadora Regina Sousa visitou a comunidade em um evento que comemorava os 200 anos do Quilombo Mimbó. Na oportunidade, Elisanete perguntou se Regina não teria alguns retalhos de tecido em casa para doar ao seu ateliê. 

Foto: Raíssa Morais

A resposta, lembra a costureira, veio com um sorriso caloroso. Além de prometer sacolas com tecidos, Regina Sousa assegurou que iria elaborar um projeto para incentivar a atividade artesanal no Mimbó. A pandemia da Covid-19, no entanto, atrasou os planos. 

Mas os dias passaram e um caminhão estacionado em frente à modesta casa da costureira chamou atenção da vizinhança. Os tecidos citados por Regina Sousa haviam chegado. 

Além dos diversos conjuntos de fios entrelaçados, a proposta da governadora veio estruturada e chegou com o apoio da empresária Cláudia Claudino e da artista plástica, designer e artesã Kalina Rameiro.

Os retalhos eram doação de Cláudia e Kalina que chegaram ali para capacitar e coordenar o projeto de corte, costura e artesanato destinado às mulheres do Quilombo Mimbó.

Bolsa feita com retalhos já é artigo vendido pelas mulheres | FOTO: Raíssa Morais

Diante de retalhos de tecidos com diferentes texturas e cores, teoria e prática sobre costura, o empreendedorismo conectado com a valorização cultural ganhou forma. As 13 mulheres que decidiram participar da capacitação manifestaram a vontade de ter uma profissão e conquistar autonomia financeira.

Criatividade vem rendendo frutos

Após muitas reuniões no ateliê de Elisanete, foram criadas 8 peças inspiradas na beleza da comunidade. Porta-pão, tapetes, jogo americano que imita as escamas dos peixes do riacho do Mimbó e bolsas feitas a partir de calças jeans usadas são alguns dos produtos que ganharam uma colorida etiqueta com as palavras “Artesanato Mimbó”.

É por meio do projeto Piauí Conectado, que garante internet banda larga na comunidade, que as artesãs planejam vender seus produtos. Todo trabalho tem sido divulgado nas redes sociais e já concorre ao prêmio TOP 100 de Artesanato do Sebrae, um passo muito comemorado por Elisanete.

Raimunda Maria e Cristina fazendo parte da iniciativa no Quilombo Mimbó | FOTO: Raíssa Morais

O largo sorriso da artesã Marta Paixão revela por completo a empolgação com o novo negócio que em breve vai ter um ponto próprio de confecção e venda dos artigos com o “selo” Mimbó. 

“A gente vai poder contratar mulheres e vai ser um giro de renda para nossa comunidade, principalmente para as mulheres que não trabalham. Já vendemos para o Rio de Janeiro, Natal e está sendo muito proveitoso”, disse Marta Paixão.

Francisca e Marta Paixão mostram bolsa confeccionada com retalhos | FOTO: Raíssa Morais

Para Fernanda Costa, agora é possível sonhar bem mais alto. “Antes eu não sabia muito se eu teria uma chance de ter uma profissão. Agora eu posso acreditar que vou ter uma casinha boa é que vou colocar meus filhos em uma escola boa para fazer faculdade”, disse.

Está prevista para o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a inauguração do Centro de Confecção do Mimbó. A poucos metros da casa de Elisanete e do seu ateliê improvisado, atualmente apenas vigas baldrames ocupam o espaço que em breve será mobiliado com máquinas de costura e compartimentos de tecidos. As mãos habilidosas que fazem, recriam e ressignificam terão finalmente um espaço só delas, feito para valorizar a força e o talento das 13 mulheres do Mimbó.

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