Apesar dos inegáveis avanços e conquistas civilizatórias relacionadas aos direitos das mulheres, o modo de produção e reprodução da sociedade contemporânea ainda dá demonstrações de tolerabilidade quanto às violências e discriminações baseadas no gênero. Isso se deve, em larga medida, à histórica - e distorcida - concepção ontológica de mulher, deliberadamente associada ao pertencimento a um homem, permitido, de quebra, o uso de violência para perpetuação desse domínio.
O cotidiano revela que ainda vivemos em uma sociedade marcada por relações assimétricas de poder, responsáveis por profundas desigualdades sociais e naturalização da violência contra a mulher, essa compreendida como um sistema amplo de dominação masculina.
Mas se é fato que a discriminação de gênero, enquanto fenômeno social que afeta o pleno desenvolvimento da sociedade em geral, e das mulheres em particular, se acha presente indistintamente em todas as culturas, também é notório que ela não atinge de idêntica forma todas as mulheres, especialmente quando considerada sua combinação com os demais marcadores sociais, tais como raça, etnia, religião, classe socioeconômica, identidade e orientação sexual.
E a intersecção desses diferentes fatores de subordinação tem definido historicamente a posição social das mulheres negras em inegável desvantagem em relação aos demais grupos sociais.
Em diversas nações, as mulheres negras aparecem como a maioria das vítimas de violência (aqui compreendidas a violência física, moral, patrimonial, psicológica, sexual, simbólica, nas relações de trabalho etc) - e no Brasil essa condição de maior vulnerabilidade também é evidente. Pior. Ela tem se incrementado de forma assustadora.