Não é a roupa: mulheres são agredidas pela pele que habitam

No Dia Laranja, machistas mostram do que a própria crueldade é capaz

Roupas curtas não são motivos para estupros | Leo Vilari
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O ódio não vem do short ou da saia.  Vem da pele que habita as mulheres, que em um contexto de biopoder são manipuladas pela força bruta daqueles que precisam jurar masculinidade. Em entrevista ao Jornal Meio Norte, em pleno 25 de janeiro, Dia Laranja, data fixada em todos os meses pela ONU para combater a violência de meninas e mulheres, a delegada Eugênia Villa explica porque o machismo tem um viés violento e cruel.

Estupro: a culpa não é da roupa. Crédito: Leo Vilari.

 Vestida com a cor da data fixada pela ONU, a delegada conta que foi homenageada no mês passado pelo trabalho realizado no Piauí. “As pessoas precisam entender que nós, mulheres, não somos descartáveis. Existe um background, um som de fundo que está por trás de tudo isso. Não é apenas a roupa. É a ideia de um corpo descartável. As mulheres estão com um corpo destituído de significado. Não podemos ter vida social, vida política, direito histórico. Não somos vidas que podem ser vividas. Daí o assassinato de mulheres no Piauí”, aponta.

Roupas curtas não são "convites". Crédito: Leo Vilari. Somente em 2018, o Núcleo de Estatística e Análise Criminal da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Piauí registrou 25 casos de feminicídio no estado. O número corresponde a 45,45% dos casos de crimes violentos letais e intencionais contra mulheres. Pegando onda na violência, os casos de ameaças, injúria e violência física somam 4.702 boletins de ocorrência nas delegacias da mulher de Teresina. Em nível de Brasil, a cada dez minutos uma mulher é estuprada, como aponta o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Será que a culpa é mesmo da roupa?

Para Eugênia Villa, as pessoas começam a classificar mulheres de forma simplista, apenas pela anatomia. “Instala-se um alfabeto violento. Do mesmo jeito que acontece com o feminicídio. Questionar a forma como uma mulher se veste é como se ela fosse uma vítima de sacrifício. É um algo para ser consumível. É um consumo canibalista que é um tributo que retroalimenta o mandato de masculinidade, aquela coisa de homem macho. A conquista da mulher vira um mero tributo”, acrescenta.

Eugênia Villa veste laranja pelo 25 de janeiro. Crédito: Leo Vilari.O patriarcado termina como um algoz de mais da metade da população mundial. Porque, sim, as mulheres são maioria no mundo. “A questão de um estupro nunca foi uma roupa. A pele que habitamos, como Almodóvar aponta, é que faz com que os homens, alguns, não todos, tenham que inventar a própria masculinidade na apropriação do corpo de uma mulher, que ele entende como descartável. É muito mais que uma roupa, é a pele que está condenada”, avalia Eugênia Villa.

Diante de ódios disfarçados de opiniões, que por vezes são publicados em redes sociais e até mesmo na mídia tradicional, é preciso lembrar todos os dias de como é preciso proteger as mulheres do contexto absurdo imposto por machistas declarados. “A mulher é um ser biopolítico porque a biologia dela a torna um ser vulnerável. O biopoder controla nossos corpos. Até os homens estão indignados. O que vemos hoje em dia é uma masculinidade hegemônica em crise. Mas muitos homens jovens já estão aos poucos se conscientizando sobre a questão da fraternidade, isso está em crise. Por isso ainda vemos essas absurdos e ficamos admiradas com certos posicionamentos”, finaliza a delegada.

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