Segundo os cientistas, o mundo tem hoje 641 milhões de pessoas — 10,8% dos homens e 14,9% das mulheres — que podem ser consideradas obesas, isto é, com IMC igual ou acima de 30, contra 105 milhões em 1975, das quais 184 milhões são severamente obesas (IMC maior que 35) ou as chamadas obesas mórbidas (IMC superior a 40). Esse número de obesos já há algum tempo superou o de pessoas que estão muito abaixo do peso ideal, ou seja, com IMC menor que 18,5.
Entre as mulheres, essa barreira teria sido ultrapassada em 2004, enquanto entre os homens a mudança no perfil de peso ocorreu em 2011. Na média global, o IMC delas avançou de 22,1 para 24,4 nas últimas quatro décadas, e o deles foi de 21,7 em 1975 para 24,2 em 2014, o que equivale a cada ser humano do planeta ter engordado 1,5 quilo por década no período.
— Ao longo dos últimos 40 anos, saímos de um mundo em que a prevalência do peso baixo era mais que o dobro da obesidade para um em que mais pessoas estão obesas do que abaixo do peso — destaca Majid Ezzati, professor da Escola de Saúde Pública do Imperial College London, no Reino Unido, e um dos líderes do levantamento, publicado na edição desta semana da revista médica “The Lancet”.
— O número de pessoas em todo o planeta cujo peso é uma séria ameaça à sua saúde é maior do que nunca. E essa epidemia de obesidade severa é muito grande para ser atacada só com medicações para baixar a pressão, tratamentos para diabetes ou com algumas poucas ciclovias mais.Tendência é cenário piorarE a tendência é que este cenário piore ainda mais. De acordo com as projeções do pesquisadores, mantido o ritmo observado desde 2000, em 2025 aproximadamente uma em cada cinco pessoas do planeta serão obesas — 18% dos homens e 21% das mulheres —, com a obesidade severa atingindo mais de 6% deles e 9% delas.— Se a tendência atual continuar, o mundo não só não cumprirá o objetivo de frear a alta a prevalência da obesidade nos níveis de 2010 até 2025 como mais mulheres serão obesas severas do que desnutridas em 2025 — acrescenta Ezzati.
— Para evitar uma epidemia de obesidade severa, temos que implementar rápido e avaliar rigorosamente novas políticas que podem frear o aumento global no peso corporal, incluindo políticas inteligentes de alimentação e melhorias nos cuidados á saúde.Estimada em cerca de 410 milhões, porém, a população subnutrida do planeta, concentrada nos países pobres do Sul da Ásia e do centro e Leste da África, ainda é fonte de grande preocupação. De acordo com os pesquisadores, a redução no número de pessoas muito abaixo do peso foi relativamente lenta nas últimas quatro décadas, e o maior temor é que as políticas públicas acabem se focando por demais na população obesa e “esqueçam” os menos favorecidos, aumentando ainda mais a desigualdade entre e dentro dos países.
“Com relação à obesidade, nos países de alta renda os pobres são mais sujeitos a serem obesos que os mais ricos”, aponta George Davey Smith, professor de epidemiologia da Universidade de Bristol, também no Reino Unido, em comentário que acompanha o estudo na “Lancet”.
“Mas, em muitas partes do mundo, o inverso acontece e os pobres permanecem magros a ponto de comprometer sua saúde e produtividade econômica. Um foco na obesidade às custas do reconhecimento do substancial fardo da subnutrição que resta ameaça desviar recursos das desordens que afetam os pobres para aquelas que mais provavelmente afetam os mais ricos nestes países (de menor renda)”.
Os números no BrasilCom relação ao Brasil, os números na pesquisa não diferem muito das tendências globais. Aqui, o IMC médio das mulheres avançou de 22,7 em 1975 para 26,1 em 2014, enquanto entre os homens ele foi de 22,2 para 25,6 no mesmo período. Já a prevalência da obesidade aumentou de 7,4% da população feminina há 40 anos para 24%, ou cerca de 18 milhões delas, agora, e de 3,5% para 17,1% (12 milhões deles) na masculina. A subnutrição, no entanto, recuou fortemente, saindo de 10,2% das mulheres com peso muito abaixo do ideal em 1975 para 3,5% em 2014 e de 9,3% para 2,1% entre os homens, somando cerca de 4 milhões de pessoas no total. Já para o futuro, a projeção dos pesquisadores é de que 37,6% das mulheres e 37,8% dos homens brasileiros sejam obesos em 2025.
— O ganho de renda aqui no Brasil nas últimas décadas teve como consequência um maior acesso a alimentos processados e industrializados que a gente sabe que não são nutricionalmente ideais, como biscoitos, massas, bolos e doces em geral — avalia o endocrinologista Pedro Assed, pesquisador do Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia e da PUC-Rio. — Nossa dieta é muito ruim, com uma falta de preocupação e atenção generalizada com a alimentação. E também faltam incentivos à prática de exercícios, com um baixo engajamento em atividades físicas. E tudo isso contribui para esse aumento na obesidade.
Assed lembra ainda que a obesidade é um conhecido fator de risco para vários problemas de saúde, de doenças cardiovasculares provocadas por hipertensão e colesterol alto a diabetes do tipo 2 e câncer, muitos deles de caráter crônico e que deverão se tornar um fardo ainda maior ao historicamente combalido sistema de saúde brasileiro.
— O aumento da obesidade é uma tragédia geral para a saúde da população e uma consequência disso é que nosso sistema de saúde pode entrar em colapso — diz. — Afinal, uma pessoa com uma doença crônica não fica internada uns cinco dias e vai embora. Ela pode ficar no hospital 30, 60, 90 dias e isso onera muito o sistema de saúde. Mesmo assim, o governo tem zero de iniciativa e nunca vi campanha pública nenhuma de alerta sobre os perigos da obesidade.
Assim, o endocrinologista defende medidas como, por exemplo, colocar nos rótulos de produtos alimentícios processados alertas como os vistos nos cigarros, além de campanhas de educação em saúde e incentivo à prática de atividades físicas, em especial para o público infantil.— Não é só uma questão de quantidade, mas também de qualidade das calorias que consumimos — conclui. — O difícil é mudar os hábitos. Precisamos consumir mais frutas, legumes e fibras.