Tarde de mormaço no Pantanal de Mato Grosso. Pelo Rio São Lourenço, corre a informação, de barco em barco, que uma onça-pintada está cercada pelo fogo na margem de um afluente do curso, a montante. Num cais da localidade de Porto Jofre, em Poconé, a 290 quilômetros de Cuiabá, o "piloteiro" Vandir Garcia, o Cabelo, diz à equipe do Estadão que pode chegar com sua voadeira até o animal em 45 minutos.
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É a maior série de queimadas na região nas últimas duas décadas, informa o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). As labaredas engoliram 2 milhões de hectares, uma área equivalente a dez vezes os territórios dos municípios de São Paulo e Rio juntos, destaca o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). "O fogo neste ano aqui está muito brabo. Os animais não conseguem escapar", afirma Cabelo, um paraguaio de 49 anos, há 30 em serviços de transporte nos caudalosos cursos de água.
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Na viagem para localizar a onça, o "piloteiro" demonstra incômodo também com o nível do mormaço. O horizonte no estirão do rio ganha um tom avermelhado e o calor torna-se mais intenso. Focos de incêndio surgem de um lado e de outro. Uma densa fumaça encobre o céu. A fuligem está em toda parte. A visibilidade é limitada. Nos trechos mais abertos, é possível ver tuiuiús, martins-pescadores e biguás nos remansos.
Antes de sair do cais na voadeira pilotada por Cabelo, na sexta-feira, o Estadão certificou-se que uma rede formada por moradores, voluntários, biólogos de uma ONG de defesa de animais e donos de pousadas seria informada da localização da onça assim que terminasse uma outra missão de resgate no local.
Após alguns minutos de viagem, o barco entra no Rio Corixo Negro, que deságua no São Lourenço, área de presença constante de jacarés e sucuris. O braço é mais raso e um descuido pode prender a embarcação na galharia do leito.
Foram apenas 35 minutos para a equipe avistar a onça estirada num trecho da margem esquerda. É um macho jovem. Tem aproximadamente 2 anos e pesa cerca de 100 quilos, estima Cabelo. Um ribeirinho que passou por ali jogou uma piranha para a onça, que não teve forças para se alimentar.
Da voadeira, a reportagem registra o momento em que o animal se levanta, caminha e logo depois interrompe o deslocamento. As patas estão feridas, em carne viva. Lambidas na parte de baixo das patas removem a pele queimada em uma tentativa de amenizar o sofrimento. Possivelmente a onça fez um grande esforço para chegar à beira do rio, área onde poderia se salvar. Antas, capivaras, cobras, veados e aves morrem por asfixia ou queimaduras ainda dentro da mata.
O Estadão aguarda o grupo de salvadores de animais para que a onça não desapareça. Uma hora depois, os integrantes da rede encostam seu barco. A missão em que estavam não teve bom resultado. Ainda no dia anterior, o grupo chegou a usar tranquilizantes em um animal que agonizava, mas o bicho se assustou e voltou para a mata sem deixar rastros.
A operação para retirar uma onça-pintada de seu hábitat, mesmo quando debilitada, é complexa e perigosa. Requer paciência. O grupo de salvamento é liderado por Eduarda Fernandes Amaral, de 20 anos apenas, natural de Cuiabá. Ela é uma liderança em Porto Jofre que faz a interlocução entre donos de pousadas, Corpo de Bombeiros, ONGs e agentes ambientais do governo de Mato Grosso. "O Pantanal é muito grande para os poucos bombeiros que vieram", afirma.