Número de mulheres no tráfico cresce 20% no Piauí

Muitas delas assumem bocas de fumo

Droga | Raissa Morais
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A problemática das drogas atinge o Piauí de Norte a Sul. Além de um problema de saúde pública, o uso desenfreado de entorpecentes destrói famílias e acaba com vidas. No Estado, as mulheres têm tomado o protagonismo das bocas de fumo. A participação delas no tráfico cresceu até 20%, fato que tem preocupado a Delegacia de Prevenção e Repressão a Entorpecentes (Depre).

De janeiro a maio de 2019, foram feitas várias apreensões, que renderam muitos presos. “De janeiro a maio foram apreendidos 104kg e 214g de maconha. Em fevereiro, fizemos duas apreensões boas, próximo ao litoral. Apreendemos dois carregamentos grandes. Tivemos também 14,3kg de cocaína. Comparada ao ano passado, a apreensão se torna menor. Em 2018, no mesmo intervalo de tempo, nós tivemos a apreensão de um avião que caiu, foram quase 300kg de cocaína, algo gigantesco”, contabiliza o delegado adjunto da Depre, Luciano Alcântara.

Arquivo / Agência Brasil

Foram 174 presos neste intervalo de janeiro a maio de 2019. Destes, 35 foram mulheres e 139 homens. “Apesar de haver uma quantidade maior de homens presos, nós percebemos que aumentou em 20% a participação das mulheres no tráfico. Elas estão tomando a frente de bocas de fumo”, acrescenta o delegado adjunto. 

A Delegacia acredita que haja um corredor das drogas no Estado, que tem como raiz os municípios ao Sul, que termina desembocando a mercadoria ilegal no resto do Estado. “A droga vem, geralmente, pelo Sul do Piauí. Foram feitas apreensões bastante significativas, pela Polícia Rodoviária Federal, como a que aconteceu em Floriano. A Polícia Civil também fez uma apreensão em Canto do Buriti, este ano. Além disso, fizemos grandes apreensões de maconha em Parnaíba. Mas até a droga que chega até Parnaíba vem pelo Sul”, ressalta Luciano Alcântara.

Drogas são encontradas com facilidade

A facilidade do acesso às drogas é uma realidade preocupante. Não é difícil encontrar porções de maconha, crack ou cocaína nas ruas de Teresina, sobretudo nas periferias.  “Os usuários são, na verdade, quem mantêm o traficante. Se não houvesse usuário, não haveria traficante. O comércio de drogas é algo grande que gera muito dinheiro. Você tem muitas residências, pequenas casas, que acabam sendo pequenas bocas de fumo. Há, por vezes, três bocas de fumo em um quarteirão de uma periferia”, aponta o delegado Luciano Alcântara.

O tráfico de “formiguinha” termina abrindo portas de um verdadeiro formigueiro de pessoas que acreditam que o tráfico é a solução para a vida financeira. “São pessoas que vendem poucas quantidades. Muitas vezes a própria população denuncia, mas se você for lá fazer uma batida policial, a quantidade de droga é pouca, onde muitas vezes dá para acreditar que é apenas um usuário”, pontua o delegado adjunto da Depre. 

O tráfico termina se espalhando pela vizinhança. “São muitos locais espalhados nos bairros, então os usuários acabam sabendo. Se a polícia não tira de circulação os pequenos, aí que espalha. Para quem vê, acha que acaba compensando vender droga. O rapaz começa a comprar bens, reforma a casa, compra uma moto, os vizinhos acham que também podem vender de forma fácil”, revela.

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A população deve ser parceira das forças policiais. “O maior desafio é trabalhar o binômio prevenção e repressão. O tráfico não pode ser trabalhado de forma isolada. A população tem que participar, principalmente na prevenção. Sem isso, nosso trabalho não resolve sozinho. A pessoa que precisa de ajuda, muitas vezes, não tem ajuda. O serviço do Estado tem que funcionar. A própria DEPRE faz palestras sobre o assunto e os danos que isso causa às vidas e às famílias. Além disso, a repressão, que fica com as polícias de forma geral, deve acontecer. Combatemos os fornecedores, que às vezes são de outros estados e países. Além do pequeno traficante, pois muitas vezes demoramos a chegar nos fornecedores. A população pode ajudar com denúncias anônimas pelo aplicativo DH/Depre, disponível para Android”, recomenda Alcântara.

Uso abusivo é problema de saúde pública

O uso de drogas é danoso não só para quem usa, mas também para toda a família. Problemas financeiros, depressão, suicídio. Os caminhos não são nada agradáveis para aqueles que veem a vida se esvair, literalmente, pelo pó. Ou mesmo pela chama da combustão de narcóticos.

Durante este processo, o papel do psicólogo é fundamental. É o que explica Denisdéia Sotero, psicóloga clínica com experiência no tratamento de dependentes químicos. “A ajuda psicológica faz toda a diferença nesse processo, uma vez que o uso de drogas provoca alterações no organismo, que afeta o comportamento. Existem diferentes linhas de abordagens que fundamentam o trabalho dos profissionais. Mas o principal é o querer. O paciente tem que querer sair desta situação. Ir a um consultório de psicologia já é uma atitude importante”, considera.

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No entanto, é preciso saber que cada caso deve ser tratado de forma individual, respeitando os limites e necessidades de cada organismo. “É preciso um trabalho minucioso, onde muitas vezes a internação é necessária. Principalmente em casos onde o paciente coloca em risco a própria vida e de outras pessoas”, recomenda Sotero.

A psicóloga clínica ressalta que o comportamento do usuário de drogas pode ir da ansiedade à depressão. “Heroína, álcool, cocaína, calmantes… Existe uma infinidade de drogas nas ruas. O comportamento também varia de acordo com a substância. As pessoas podem sair de uma crise de ansiedade para um estado deprimido em instantes. Muitos usam drogas para se sentirem mais relaxados, por exemplo”, acrescenta.

Resistência atrapalha o tratamento

O primeiro desafio é motivar o dependente químico para o tratamento de desintoxicação. Na maioria dos casos, a pessoa resiste por muito tempo em admitir que tem um problema e precisa de ajuda. “Essa é a primeira grande dificuldade. Uma vez que a pessoa admite que precisa de tratamento, a maior dificuldade é a compreensão de que a recuperação é um processo que precisa de continuidade”, explica Edson Taumaturgo, psicólogo do Caps Álcool e Drogas da Fundação Municipal de Saúde (FMS).

O tratamento para dependentes químicos acaba sendo longo. “Não existe recuperação em curto prazo, e isso é muito frustrante para o paciente e para as pessoas que o acompanham. Difícil entender que, nesse processo, há altos e baixos, e muitas vezes as baixas, as recaídas, são encaradas      como fracassos, quando na verdade precisam ser encaradas como parte do processo de        recuperação”, completa o psicólogo da FMS.

Outra grande dificuldade é decorrente da primeira, pois como as pessoas costumam demorar para aceitar ou pedir ajuda, quando isso acontece, a família, que é um suporte muito importante, já está cansada e as relações muito comprometidas. Sem falar que os problemas familiares, muitas vezes, são em si um fator de risco que contribui para o adoecimento. O apoio medicamentoso e emocional diminui o sofrimento, mas não erradica. Inclusive, aprender a lidar com o sofrimento é algo importante na recuperação”, lembra Edson Taumaturgo.

“Não existem drogas mais ou menos lesivas”

É preciso mudar essa mentalidade de que existem drogas mais ou menos lesivas. “Embora algumas  tenham maior potencial tóxico, e algumas sejam reconhecidamente mais capazes de gerar dependência, a droga em si não é o problema. Em toda a história da humanidade, em todas as civilizações sempre houve e provavelmente sempre haverá drogas que alterem a consciência. O grande problema é a relação que se estabelece com elas nos dias de hoje, uma relação de fuga e/ou recreação. O fumo, por exemplo, pode gerar dependência a partir do primeiro uso, mas foi usado por séculos em tribos indígenas dentro de rituais geralmente religiosos, ou num contexto específico dentro daquelas comunidades. O que tornou seu uso problemático foi o consumo indiscriminado. Antes, na tribo, o sentimento de comunidade era um fator de proteção, hoje, perdemos esse sentido”, pondera o psicólogo Edson Taumaturgo.

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No entanto, isso não tira o poder lesivo das drogas para a vida humana. “É claro que as drogas ilícitas, por não terem nenhum tipo de controle na fabricação e distribuição, têm um risco acentuado. Durante a lei seca, nos EUA, foram registradas inúmeras mortes por envenenamento devido ao uísque falsificado, por exemplo. Mas, a rigor, todo o consumo indiscriminado é mais perigoso que a droga em si”, aponta o psicólogo.

Infelizmente, não existem garantias para um tratamento 100%. “Como em todo processo há altos e baixos. O que se pode fazer é tomar as recaídas como momentos de aprendizagem e fortalecimento. Enfatizar, por exemplo, que os tantos dias de sobriedade são mais importantes do que o dia de consumo. É preciso estar disposto a começar de novo, sempre a cada dia, tomar todo novo dia como um recomeço em busca da recuperação e da vida”, conclui Taumaturgo.

Usuários terminam infectados com DSTs

Diana Pacífico, assistente social e coordenadora Psicossocial da Fazenda da Paz, comunidade terapêutica para dependentes químicos, explica que a saúde física é bastante afetada pelo uso de drogas. As doenças sexualmente transmissíveis são as campeãs, tanto pelo sexo sem proteção como pelas mucosas que se queimam em latas ou no compartilhamento de seringas. 

“Hoje temos um índice muito grande de doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis e o próprio HIV e a própria tuberculose e pneumonia. A imunidade deles baixa muito. Solicitamos uma relação de exames para saber como está o estado de saúde do usuário, além da dependência química. Assim fazemos um tratamento mais completo. São pessoas que usam drogas há muito tempo, o corpo fica mais fraco”, aponta Diana.

O tratamento para dependência química é algo muito complexo. “Para nós que lidamos com a problemática, sabemos que muita coisa é explicada de forma errônea. Tratar o dependente químico depende do acolhimento, apesar de existirem várias formas de tratamento. Usamos a reinserção das pessoas, pois de acordo com nossa vivência nós percebemos que é possível. Não é só trancar o dependente. Às vezes é preciso. Mas quando chega alguém aqui, sob efeito de uma droga, muitas vezes, 15 dias depois, já é outra pessoa”, acrescenta Veridiana Lustosa, assistente social da Fazenda da Paz.

Fazenda da Paz faz caminhada contra as drogas

Acontece neste domingo (30), a partir das 7h, a Caminhada da Fazenda da Paz, que este ano traz o tema  “Viver Sem Drogas É X: Um Minuto Pela Vida”. Sempre com a proposta de trazer mudanças significativas, a caminhada começa na Avenida Frei Serafim e termina na Câmara Municipal de Teresina, onde sempre sai uma legislação de combate ao uso de entorpecentes.

A Fazenda da Paz tem trabalhado de forma incessante para combater as drogas. “Trabalhamos a dependência química, mas também a reinserção dos usuários na sociedade. Muita gente perde muito tempo usando drogas e acaba não estudando ou trabalhando. Dá para correr atrás, mas é difícil. A pessoa é taxada de bandida, quando na verdade é um doente que comete várias ações negativas contra si e a própria família”, conta Célio Barbosa, coordenador da Fazenda.

Para isso o apoio do Centro de Convivência tem sido fundamental. “É um espaço que foi criado pela Fazenda da Paz para dar um suporte aos egressos de comunidades terapêuticas, com o apoio da Prefeitura de Teresina. Nosso espaço foi criado em março e já atendemos 42 pessoas. Destas, cinco já foram inseridos no mercado de trabalho. É um serviço que está funcionando há três meses e tem bons resultados. Nós acompanhamos de forma que acontece a criação do vínculo familiar e social”, aponta Adriana Bastos, assistente social da Fazenda da Paz.

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